Que os
brutos também amam é notório. O que respira, ama.
Talvez
seja novo dizer que eles, os brutos, muitas vezes são mais amados do que amam -
que não se convençam!
Uma
porção grande de gente tem irremediável inclinação pelo que é bruto.
Talvez
porque o bruto, o tosco, o rústico, o inculto, seja animalesco e mais próximo
da natureza dos instintos, que a educação, na tentativa de sofisticar ou
asfixiar, nalguns fracassa.
O que é
animal come quando tem fome e bebe quando tem sede, trepa se tiver vontade e xinga
para extravasar, se embevecendo com as felicidades corriqueiras dos cotidianos
à toa.
Todavia,
há os de natureza corrupta. Por submissão, desvio ou perversão, existem os que
gostam de sofrer física e psicologicamente, encontrando na dor algum sentido de
vida.
Como acontecia
ao intérprete de Geraldo, Lupércio, que mantinha um caso extraconjugal com uma
dona definitivamente masoquista. Ela exigia apanhar sem ficção, socos e chutes,
ao passo que era servil como uma escrava, ou melhor, uma gueixa.
Retocava
a toalete, uma mulher jovem e enlutada. Fitava no espelho descascado do
banheiro cemiterial, esforçando-se para prantear o cadáver do marido, sem sequer
conseguir umedecer os olhos.
Laurenciano,
entretido com um livro de crônicas, caminhava alheio ao ambiente.
Depois
do especial encontro consigo mesmo, Zumbizão obrou imediatas práticas, dentre
as quais a leitura. Devorava como traça dos livros o âmago de qualquer autor,
lendo-lhe a alma, confabulando tête-à-tête,
checando a intenção de cada parágrafo, deleitando-se com cada construção
particular.
Ao
vislumbrá-lo, a viuvinha derreteu-se num choro tão fundo e alto, em tão dissimulado
soluço que quebrou incontinenti a compenetração do coveiro.
Ele
estacionou na batente sobraçando o livro, com a página marcada por uma
espátula. Contemplava a bela perturbada.
Ofereceu:
“A senhora precisa de alguma coisa? Quer um copo d’água ou outra coisa?”
A viúva
pusilânime aproximou-se e recostou a cabeça em seu ombro, auscultou seu coração
– batia forte: “Gostaria de tomar uma bebida... Tem algum lugar discreto por
aqui? Você não quer ir comigo?”
Acomodados
nos balcão de uma lanchonete - duas ruas além do muro alto do cemitério, discreto,
como queria a viuvinha – pediam ao Mané que trouxesse uma água tônica para
Laurenciano e um conhaque para a viúva. Tinham saído com tamanha discrição
esgueirando-se pelos túmulos, ocultando-se entre as árvores sem chamar a
atenção, que o enterro do corpo exangue do cônjuge correu sem que dessem falta
da viúva.
Colóquios
postos, a belezinha se recompunha dignamente insuspeita da viuvez. Na realidade
não julgariam senão como garota no trajeto da balada, ou vinda duma dessas
festas em que vestem apenas escuro.
- Você é casado, Laurenciano? Perguntava a mulher,
intercalando as palavras com sensuais estremecimentos dos lábios reluzentes de
conhaque. Reluzia-os com charmoso malabarismo dos beiços imersos no copo e
breve retenção do líquido na boca semicerrada.
A imagem
mexia com Laurenciano que não conseguia apartar-se da atração física que a
jovem vestida de negro exercia. Dos cabelos alourados, médios para longos, o
eflúvio perfumado impregnara o fundo dos olhos do sepultador. “Não, não sou...”
- Eu fui casada com o Beckmhann durante cinco anos. Ele era
educado, galanteador, responsável... Fazia todos os gostos, mas... – hesitou
brevemente - não me completava. Era mais pai do que homem para mim. O que eu
quisesse era só pedir: carros, móveis, jóias, qualquer coisa, mas não me
satisfazia, você entende? Deve entender.
Neste
momento a fêmea segurou-lhe uma das mãos, acariciando os dedos da outra.
Laurenciano
não queria, mas a conversa na interpretação daquela voz o excitava: “Sim,
entendo.” Não queria porque a recente responsabilidade adquirida o condenava.
- Escuta! É meu coração batendo. Mas não estou triste.
Estou até feliz; estou quase exultante. Vou querer outro conhaque e você? Tome
um também, temos motivos para bebermos. Que horas você larga o cemitério,
Laurenciano? Não gostaria dar uma volta comigo, pra conversarmos mais um pouco?
Está sendo bom falar contigo!
Combinaram
a hora. Pontualmente, um moderno automóvel verde abacate parou na ruela da
lanchonete. Laurenciano que o esperava, correu até ele. A porta se abriu, a
loura envergava um vestido cintilante e um acessório esbranquiçado enorme,
dependurado no pescoço: “Entre Laurenciano. Você dirige” – ordenou, saltando
para o banco de passageiro.
A louraça
ia ditando o trajeto. Chegaram no prédio de luxo, na nobreza da cidade. O
portão se abriu. Entraram num elevador que os deixou à entrada de um saguão de
piso xadrez. Ambos mudos. Laurenciano automatizado seguiu os passos da formosa
silhueta feminina.
Ela o
conduziu para o interior do apartamento e sem dizer um som, despiu-se e
posicionou-se de quatro no carpete felpudo.
Laurenciano,
instintivamente, se conduziu, ajoelhou-se, abriu as calças e penetrou a mulher.
No mesmo momento ela danou a gritar, a dar altos gemidos, dizer palavrões e
arranhar o carpete. Loucura e prazer!
Repentinamente
gritou para parar como uma dona faz ao cão; ergueu-se, o conduziu a outro
compartimento da moradia. Arrancou-lhe as vestes. Abriu um armário embutido e sacou
de um instrumento entre tantos. Entregou-lhe nas mãos, ajoelhou-se e instruiu
que a castigasse alternando a felação com os insistentes rogos de punição.
Foram
chibatadas nas costas e nas nádegas... Ela pedia que a machucasse. Os estampidos
ecoavam por todo o enorme apartamento.
Usaram
algemas e outros equipamentos de dor e submissão, tendo ao final de cada sessão
uma escandalosa trepada.
De
manhã, Laurenciano acordou só num colchão gigante e redondo, com amargo de
arrependimento e estupefação.
Levantou-se
e colocou as roupas, saiu do prédio às pressas sem que ninguém o pudesse
interceptar. Entrou num ônibus em caminho de sua casa – não conseguiria
trabalhar.
Tentando
achar a consciência esfregou violentamente o rosto. Esbarrou o cotovelo num
volume no bolso da camisa. Um envelope continha incrível soma de dinheiro - mais
de quatro mil -, e um bilhete: “Foi bom! Nunca me procure. Se eu precisar, sei
onde te encontrar.”
Nunca
mais o procurou. O coveiro logo esqueceu sua fisionomia. Guardou na alma, no
entanto, a complicada experiência.