quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A diversidade sexual, a letra fria da lei e o calor da realidade social

A diversidade sexual, a letra fria da lei e o calor da realidade social

Julgava-me habitué de certos lugares da metrópole, cuja época de noites românticas da minha juventude estudantil nos convidava constantemente, a mim e aos amigos, a um bom bate-papo com cerveja, invariavelmente,  e a partidas de xadrez com muita freqüência.
Certa feita, adentrando o bar que nos acolhia pacientemente nessas peculiares e prolongadas sessões, apinhado de um público heterogêneo na ocasião, sentimos que a atmosfera pesava; hesitamos por algum tempo antes de abrir o tabuleiro. Pressentíamos que algo desagradável iria acontecer.
Nunca tínhamos visto o nosso bar com tanta gente diferente. Na realidade nos acostumamos com a solidão do horário e especialmente do lugar. Apenas seis companheiros de sonhos que poetizavam e liam, jogavam xadrez e partiam na alvorada.
Mas naquela noite o pequeno espaço do bar continha muitos casais gays, belos e exuberantes travestis, e também grupos heterossexuais - estes, nítida e propositadamente afastados dos primeiros. Por que pesava o ar? Perguntávamos silentes e a resposta se delineava na possibilidade da intolerância, já que um brutamonte se referia aos homossexuais com desdém, e àqueles pouco se lhe davam que suas espetaculosas e picantes narrações incomodassem os machões. Para encurtar o prefácio ao tema do texto, a briga começou quase no mesmo instante do final da piada desenxabida sobre bichinhas - contada pelo brutamonte; do ciúme do sapatão que supôs um flerte entre sua namorada e um homem do outro grupo, e da bofetada que um traveco aplicou num safadinho que, a pretexto do exíguo corredor do banheiro, bolinou-o escandalosamente.
Saímos em meio a um infernal tumulto. Horas depois rimos muito pelo inusitado dos acontecimentos. Porém, filosofando noutro botequim, ponderamos sobre a delicada condição humana no trânsito dos sentidos e dos desejos ante o imperativo das morais, das convenções, da educação e das leis.
Décadas passaram e eis que surge uma retumbante polêmica jurídico-sociopolítica com inúmeros fatores: o PL122, o Estatuto da Diversidade Sexual, as igrejas, o medo, o desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão e da pessoa humana, a discriminação, a urbanidade, as convenções sociais, homens e mulheres, heterossexuais, homossexuais...
Em linhas muito leigamente gerais o projeto de lei nº122 postula a inclusão de atributos de gênero, orientação sexual e identidade de gênero, e ainda idosos e portadores de deficiência na lei contra o preconceito e a discriminação racial 7716/89 que originalmente protegia os indivíduos portadores de atributos de cor, raça, etnia, religião e procedência nacional, com efeito de aplicação do código penal, de relações de trabalho e da vida civil.
Dispensada a pretensão de comentários técnicos, para o que, aliás, não teria conhecimento e habilidade suficientes, fica o registro de que não vejo que haja clareza bastante quanto ao que seria realmente injúria, ofensa ao individuo e aos coletivos dos grupos incluídos, ou seja, numa palavra, o que realmente seria uma atitude de homofobia, passível, então, de penas tão graves. Além de “descobrir um santo para cobrir outro”! Exemplo: impedir, recusar ou proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público. Ora, me parece que rituais de fé e crença que não aceitem a condição homossexual em seu culto terão de aceitá-la, e isso, prima facie feriria direitos e garantias fundamentais dos indivíduos que não concordem.
Já no estatuto da diversidade sexual a coisa fica ainda mais estranha quando pleiteia a supressão dos termos “pai” e “mãe” do registro de nascimento e documentos oficiais; ou quando supõe que uma criança ou adolescente possa vir a ter condição plena de decidir-se pela mudança de sexo. Será?
À vista da amplitude, força e radicalismo dos dispositivos legais (afinal trata-se de lei, regra; de processo civilizatório, reengenharia social, redefinição de normas de união e relacionamento civil, coerção e castigo, valores e liberdades – e, por que não?! - trata-se de mexer com os deuses), os opositores das regras propostas alegam um desmonte da família tal como se formulou culturalmente pelos séculos e séculos, segundo os desígnios de Deus.
Às vezes me dá a impressão de que os que defendem tais diplomas pretendem homossexualizar toda a sociedade numa tacada só; por outro lado ouve-se a grita e a resistência, não raramente truculenta, de heterossexuais.  Tenho sincero receio de que dessa discussão histérica decorra o sério risco do aumento da homofobia e – também, por que não?! – da heterofobia.
Fato, no entanto, é que em 2013, no Brasil, foram celebrados mais de 3mil casamentos homossexuais e que a parada do orgulho LGBT atrai milhares de novos adeptos a cada ano.
No entanto, é fato estrondosamente mais trágico que por ano são assassinados mais de 50 mil brasileiros (a maioria de jovens, negros e pobres) e que o trânsito mata outros mais de 40 mil.
Sem contar que temos sistemas precários de educação e saúde, uma relação fisiologista de poder, uma corrupção endêmica, uma péssima administração pública, uma desigualdade social atroz, uma horrível seleção de futebol (vai como referência de uma copa financeiramente, inclusive, desonrosa) e um sistema eleitoral capenga e duvidoso.
  Ou seja, parece que a acalorada e midiática polêmica sobre homofobia é         necessária, sim, porém, antes de acharmos que estamos democraticamente     tranquilos para fazer uma guerra parlamentar dos sexos, precisaremos sair     do boteco.

GRACIAS ANDINAS