A diversidade sexual, a letra fria da lei e o calor da realidade
social
Julgava-me habitué
de certos lugares da metrópole, cuja época de noites românticas da minha
juventude estudantil nos convidava constantemente, a mim e aos amigos, a um bom
bate-papo com cerveja, invariavelmente, e a partidas de xadrez com muita freqüência.
Certa feita, adentrando o bar que nos acolhia
pacientemente nessas peculiares e prolongadas sessões, apinhado de um público
heterogêneo na ocasião, sentimos que a atmosfera pesava; hesitamos por algum
tempo antes de abrir o tabuleiro. Pressentíamos que algo desagradável iria
acontecer.
Nunca tínhamos visto o nosso bar com tanta gente
diferente. Na realidade nos acostumamos com a solidão do horário e
especialmente do lugar. Apenas seis companheiros de sonhos que poetizavam e liam,
jogavam xadrez e partiam na alvorada.
Mas naquela noite o pequeno espaço do bar continha
muitos casais gays, belos e exuberantes travestis, e também grupos
heterossexuais - estes, nítida e propositadamente afastados dos primeiros. Por
que pesava o ar? Perguntávamos silentes e a resposta se delineava na
possibilidade da intolerância, já que um brutamonte se referia aos homossexuais
com desdém, e àqueles pouco se lhe davam que suas espetaculosas e picantes
narrações incomodassem os machões.
Para encurtar o prefácio ao tema do texto, a briga começou quase no mesmo instante
do final da piada desenxabida sobre bichinhas
- contada pelo brutamonte; do ciúme do sapatão
que supôs um flerte entre sua namorada e um homem do outro grupo, e da bofetada
que um traveco aplicou num safadinho
que, a pretexto do exíguo corredor do banheiro, bolinou-o escandalosamente.
Saímos em meio a um infernal tumulto. Horas depois
rimos muito pelo inusitado dos acontecimentos. Porém, filosofando noutro botequim,
ponderamos sobre a delicada condição humana no trânsito dos sentidos e dos
desejos ante o imperativo das morais, das convenções, da educação e das leis.
Décadas passaram e eis que surge uma retumbante polêmica
jurídico-sociopolítica com inúmeros fatores: o PL122, o Estatuto da Diversidade
Sexual, as igrejas, o medo, o desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão
e da pessoa humana, a discriminação, a urbanidade, as convenções sociais,
homens e mulheres, heterossexuais, homossexuais...
Em linhas muito leigamente gerais o projeto de lei nº122
postula a inclusão de atributos de gênero, orientação sexual e identidade de
gênero, e ainda idosos e portadores de deficiência na lei contra o preconceito
e a discriminação racial 7716/89 que originalmente protegia os indivíduos
portadores de atributos de cor, raça, etnia, religião e procedência nacional, com
efeito de aplicação do código penal, de relações de trabalho e da vida civil.
Dispensada a pretensão de comentários técnicos,
para o que, aliás, não teria conhecimento e habilidade suficientes, fica o
registro de que não vejo que haja clareza bastante quanto ao que seria
realmente injúria, ofensa ao individuo e aos coletivos dos grupos incluídos, ou
seja, numa palavra, o que realmente seria uma atitude de homofobia, passível, então,
de penas tão graves. Além de “descobrir um santo para cobrir outro”! Exemplo:
impedir, recusar ou proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou
estabelecimento público ou privado, aberto ao público. Ora, me parece que
rituais de fé e crença que não aceitem a condição homossexual em seu culto
terão de aceitá-la, e isso, prima facie
feriria direitos e garantias fundamentais dos indivíduos que não concordem.
Já no estatuto da diversidade sexual a coisa fica
ainda mais estranha quando pleiteia a supressão dos termos “pai” e “mãe” do
registro de nascimento e documentos oficiais; ou quando supõe que uma criança
ou adolescente possa vir a ter condição plena de decidir-se pela mudança de
sexo. Será?
À vista da amplitude, força e radicalismo dos
dispositivos legais (afinal trata-se de lei, regra; de processo civilizatório,
reengenharia social, redefinição de normas de união e relacionamento civil,
coerção e castigo, valores e liberdades – e, por que não?! - trata-se de mexer
com os deuses), os opositores das regras propostas alegam um desmonte da
família tal como se formulou culturalmente pelos séculos e séculos, segundo os
desígnios de Deus.
Às vezes me dá a impressão de que os que defendem tais
diplomas pretendem homossexualizar toda
a sociedade numa tacada só; por outro lado ouve-se a grita e a resistência, não
raramente truculenta, de heterossexuais. Tenho sincero receio de que dessa discussão
histérica decorra o sério risco do aumento da homofobia e – também, por que
não?! – da heterofobia.
Fato, no entanto, é que em 2013, no Brasil, foram
celebrados mais de 3mil casamentos homossexuais e que a parada do orgulho LGBT
atrai milhares de novos adeptos a cada ano.
No entanto, é fato estrondosamente mais trágico que
por ano são assassinados mais de 50 mil brasileiros (a maioria de jovens, negros
e pobres) e que o trânsito mata outros mais de 40 mil.
Sem contar que temos sistemas precários de educação
e saúde, uma relação fisiologista de poder, uma corrupção endêmica, uma péssima
administração pública, uma desigualdade social atroz, uma horrível seleção de
futebol (vai como referência de uma copa financeiramente, inclusive, desonrosa)
e um sistema eleitoral capenga e duvidoso.
Ou seja, parece que a acalorada e midiática
polêmica sobre homofobia é necessária, sim, porém, antes de acharmos que
estamos democraticamente tranquilos para fazer uma guerra parlamentar dos
sexos, precisaremos sair do boteco.
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