“De um velho professor temente a Deus, para um jovem aluno da vida
Queridíssimo Antonio,
Espero que estejas gozando de muito boa saúde, pois dela dependemos nós dois: você, para seguir eficiente e feliz a carreira que eu, agora me despedindo, suponho ter influenciado: a carreira de educador.
As questões que vens fazendo amiúde são, para mim, de dificílimas respostas, motivo por que receio não responder-te a contento.
Arrisco-me em tentar, mas cuidando que um dia outrem mais capacitado possa ler, escuso-me com antecedência.
Vai assim, contando com a complacência e a ternura com que sempre nos tratamos. Vai assim da forma que pouco posso dentro do que penso:
As coisas de aparência externa da fé (liturgia, gestual, vestuário, comunhão, reza, arte, oferendas, etc.) devem datar muito próximo do momento em que nós - o homem - tivemos o estalo da consciência; se confunde com o início de nossa jornada gregária e, por conseqüência nossa função legislativa.
O tamanho de nossa pequenez, nossa fragilidade ante as forças da natureza - dentre as quais a finidade da existência -, deixaram-nos horrorizados.
Naquela fase, creio eu, ter-se-ia-nos aberto um portal para a religiosidade.
Unimo-nos economicamente em grupos por segurança física, e depois enfeixamos regras de conduta; elaboramos uma ética, uma moralidade, para nossa segurança psíquica e espiritual (termos que uso ora sinônimos, ora distintos, mas nunca antônimos).
Nossa trajetória, de maneira simplista e esquemática, caro Antonio, seria: Animal individual, sem consciência - Animal gregário, brutal – Consciência, inteligência, homem, animal gregário comum – homem em comunidade – homem social – sociedade moderna.
Digo de passagem que não percebo na Bíblia nenhum desmentido das ciências. De acordo com o que acredito, o que as Escrituras não dizem não significa que sejam invencionices, mas o que elas dizem [isso sim] é verdade incontestável.
A religiosidade é parte da evolução do homem social até a sociedade moderna. De teocracia à autocracia, e mais recente, à democracia. Do estado religioso para a religião no estado, até a separação entre estado e religião.
Em todos os séculos a mesma consciência de fragilidade faz-nos buscar compreensão de alguma escatologia. A inteligência exige uma conciliação entre o mal estar da pequenez e a capacidade humana.
Surgem os lenitivos da fé, muitas vezes à frente de grupos, como estandartes, que postulam à melhor forma de representar a ‘verdade’.
Depois da introdução, vamos às minhas respostas para tuas angustiantes perguntas, meu amigo:
1) Homens e mulheres expõem-se ao culto e à oração, pregações e missas para melhorar sua crença espiritual porque a necessidade de crer numa força superior é inerente ao ser humano, e tanto mais confortável será quanto mais houver reforçada a identidade do grupo - pessoas que pensem da mesma maneira;
2) Não sei se seria possível o uso do pecado para divulgar um ‘novo’ significado bíblico. A Bíblia relata dois momentos do homem em relação ao pecado: a lei mosaica e o ministério de Cristo. Há a passagem do homem brutal, que precisa conhecer o pecado pela aplicação da lei, e o homem espiritual que segue as doutrinas de Deus deixando-se conduzir pela bondade do Espírito Santo de Deus.
Creio, sim, que possa existir o uso do pecado, ou do tema do pecado para dar um novo significado ao próprio pecado, muitas vezes confundindo-o com delito ou conduta socialmente reprovada. Neste sentido o que podia ter sido pecado no passado não o é hoje em dia. Há seitas, por exemplo, que esvaziam o conceito judaico cristão de pecado, preenchendo-o com a idéia de imagem imperfeita de um homem perfeito, Platônico. Aí não se trata de aspecto bíblico, mas de doutrina diferente;
3) Como disse, tanto maior será o conforto quanto mais pessoas comungarem da mesma fé. A existência de um líder, seja pastor, padre, rabino, pai-de-santo, ou outros, é própria da condução cerimonial de cada grupo. Natural que haja pessoas que se queiram baluartes de sua fé, “ostentando-a” em todos os ritos possíveis... O seu remédio. Estas correm o sério risco da prática da intolerância por não terem compreendido exatamente o porquê e o quê estão fazendo em relação à sua sensação particular de pequenez e fragilidade. A elas, recomendo procurar outro consultório, Antonio;
4) A fé está para o espírito – ou psique -, como o ar está para a vida. Sinceramente, Antonio, eu não acredito na existência de ateus, mas sim, de crentes de outras crenças que não são as que aparecem; prováveis crenças absolutamente exclusivas.
Certa vez, na introdução de um livro, li um interessante paralelo entre Sócrates e Jesus Cristo. O livro, aliás, contava a história de Jesus e foi escrito para cristãos, ou para quem quisesse saber mais de Cristo. [quando me lembrar do nome do livro, te digo]
É impossível ter espírito deveras saudável sem a busca da compreensão do [seu próprio] processo de fé. Sem isso não se pode desenvolver, e o risco de neuroses aumenta. Exemplos desse descuido foram a Santa Inquisição Católica, no passado, e os rituais de imolação que ainda há nos nossos dias.
Modelos contrários, positivos e negativos, podem ser encontrados em todo lugar e em qualquer religião, às vezes coexistindo sem aparente desarmonia.
Certamente não acabou o tema, senão meus comentários por agora.
De ti - esperança do futuro – espero que descubras o teu processo de fé, mas não se esqueça de tentar ser feliz