quinta-feira, 17 de março de 2011

VIVAS AO JAPÃO!

Tenho fé de que os homens, de cuja história permite afirmar, pela inspiração intelectual do Criador, conseguirão contornar a situação do vazamento radioativo das usinas japonesas.
Os efeitos serão danosos em alguma medida - quanto a isto pouco se pode fazer, senão rechaçar espectros fundados no medo.
Vidas foram suprimidas pela sucessão de catástrofes e o impacto socioambiental reverberará ainda por algumas gerações.
Desde o início me neguei a transcrever notícias e estatísticas, as quais, a qualquer pessoa interessada estão disponíveis nos livros e na internet, sob o risco de não pôr nada de realmente meu nos textos. Os jornais se incumbem disso.
Não vejo, no entanto, como não fazê-lo para demonstrar minha convicção da primeira fala que será sustentada também pelo exemplar comportamento do povo japonês, - para quem o indivíduo parece só fazer sentido no coletivo.
Antecipo exemplos: ao fechar as portas do comércio, em meio ao caos da calamidade e do desabastecimento, o empregado inclina-se repetidas vezes perante os consumidores, como a pedir-lhe desculpas, ou antes, como se solidarizassem mutuamente pela desgraça, sem melancolia, mas sim, sob a certeza de que tudo será restabelecido em breve;
Nos ambientes em tremor, céleres, mas não pressurosos, evacuam os edifícios em ordem e respeito aos velhos, crianças e mulheres. Isso também se viu nos modernos trens-bala, nos embarques e desembarques em Osaka, em fuga do apocalipse, em socorro ao apelo da vida: mais ordem e serenidade do que se vê, por exemplo, nas viagens dos feriados no Brasil.
Não posso deixar de registrar os programas de contingência dos governos locais: centrais de telefones públicos, distribuição de água potável, acampamentos médicos instantâneos, medição de radioatividade de hora em hora.
Falava há pouco com um amigo, escritor a quem peço licença de mencionar a conversa, que, caso o povo perdesse totalmente a razão, no estado de opressão em que está, e começasse a proceder às barbaridades mais horríveis, ainda assim, seu estoicismo sustentado tão além dos limites de outros povos, lhe daria créditos de sobra para louvarmos seu caráter.
No Portal IG de ontem, segundo o Instituto de Geofísica dos Estados Unidos (USGS), o terremoto de 11 de março no Japão registrou 9 pontos na escala Richter, sendo o 4º maior desde o ano 1900. Juntos, terremoto e tsunami teriam causado mais de 15mil mortes até aquele momento.
Tal pontuação iguala-se ao terremoto em Arica, entre Peru e Chile em 1868, e ao de Kamchatka (Rússia) em 1952.
São precedidos em magnitude pelo terremoto de 1960 em Valdívia (Chile): 9,5 pontos; duas mil pessoas expiraram, cidades da costa chilena e outras do Pacífico desapareceram sob um maremoto de até 10 metros.
No Alasca (EUA), em 1964, com 9,2 pontos na escala, somado a um tsunami, 143 vítimas foram fatais;
O terceiro maior é bem mais recente: em 2004 na Indonésia (9,1 pontos e um tsunami que devorou 14 países e 230mil vidas no Índico).
O de sexta-feira, no Japão, é o quarto maior. Penso que não será o último.
Proponho um exercício final, amigo (ler o texto foi uma etapa): pega uma foto do globo e vê quão tênue é a Terra. Pensa onde você está agora, caro irmão, tua casa, tuas coisas; esforça-te em avaliar os progressos das ciências desde a descoberta do fogo ou da roda, ou mesmo desde o advento da televisão ou da intromissão da AIDS. Medita nisto. Ora tuas preces. Lembra-te de que Chile, Alaska, Rússia e Indonésia ainda existem e seus povos respiram e amam. Crê que o Japão subsistirá.
O amor do Criador a sua criatura mais perfeita supera qualquer energia tectônica.
O poder do homem, embora não lhe permita o controle total da natureza, acalenta zelosamente o projeto imorredouro da vida, o sonho de Deus.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Vida Mestra

O pai chamou seus filhos na varanda para apreciarem uma alegoria juntos, de perto.
Conquanto as teias estivessem vastas, fechando os flancos da varanda em pública demonstração de desleixo, serviram ao propósito da demonstração prática de como é a vida entre os homens.
Trouxe secretamente consigo um minúsculo pedaço de jornal na mão, apontou aos meninos a teia menor do lado esquerdo:
- Vejam isto. – fragmentou o papel, ensopou-o na poça que se formara da chuva da noite e arremessou na teia. Logo uma enorme aranha precipitou-se sobre a presa putativa, com a ânsia dos famintos. Verificada a abiose da refeição, despojou-a para limpar sua armadilha.
- Nossa! Pai, pai... – os meninos perderam o fôlego ante a fascinante cena, cruel e maravilhoso.
- Ela não desiste. – disse o pai. Arremessou outro pedacinho e novamente a aranha procedeu ao ataque e descarte do papel.
- Isso é igual aqui. – apontou a teia maior, preparou e lançou a falsa cobaia; a aranha fez o mesmo ritual: avançou impetuosamente, verificou sua impropriedade, descartou. Repetiu mais duas vezes a experiência.
- Pai, porque não jogamos um inseto vivo pra ver o que ela vai fazer?
- Não, filhos! Não que eu não pudesse fazer isso; mas a natureza se incumbe desta fatalidade.
Continuou: “O que eu queria mostrar para vocês é como as coisas acontecem no mundo: o mal é como essa aranha; tece suas teias para nos apanhar, e quando estamos enredados, ele se lança sobre nós com pressa, e com fúria nos consome. Temos que tomar cuidado com as ciladas e, na hipótese de sermos atados, não termos em nós qualquer seiva que lhe sirva de alimento.”
 - E quando é que a natureza manda um inseto para teia ou alguém para o mal, pai?
- A natureza manda um inseto para a aranha porque essa é a lógica da vida animal: a aranha é capacitada para fazer teias e capturar seu alimento, mas o inseto é incapaz de guardar a precaução; no entanto, a natureza não manda ninguém para o mal. Se alguém vai é por causa da ignorância ou desatenção, ou porque subestima a nocividade do mal, ou por que foi enganado.
- Mas o que é o mal pai, perguntou o caçula, enquanto o outro tinha já arranjado também um pedaço de papel e se preparava para a experiência solo.
- O mal, meu filho são muitas coisas...
- Espera aí pai. – atalhou a explanação. “João me dá um pedaço? Eu também quero jogar insetos de mentira...”
O pai, a sonoras risadas, entrou em casa rogando a Deus que cuidasse de seus meninos.
Eles, a despeito de todas as verdades que o pai pedagogicamente lhes ensinara, ficaram até de noitinha se divertindo em arremessar pedacinhos de papel na teia, e enganar a aranha.

À deriva

Apieda-te dos jovens, ó mundo!

Sonhos pobres de aventuras chinfrins
Tumultuam a vigília do moço desmedido,
Como pesadelos infindos
A tolher-lhe a alma, consumir-lhe a calma,
No desvelo de noites aceleradas.

Como dormisse na leveza do ar,
Com brilho de ouro vêm os sonhos
Que sonharam para ele
E dão-lhe bebidas de embriaguez.
Dizem-lhe ao coração o que se desbravar
Das luzes, dos sons, dos gestos, das coisas celeradas.

Quando a alva aparece,
A lua desvanece no ciclo sideral;
Destemido, indômito,
Ele dorme o sono do ímpio:
Delirante, insano,
Julgando-se santo.

Isento do mundo que aos outros é lhano
Desperta novamente,
Desmemoriado do presente
Ressente-se do futuro que não enxerga
E recomeça a sonhar
Seus mesmos recentes atos pregressos
Que corrompem o caráter.

E a mesma sorte a cuidar de seus passos:
Um histrião satirizando o mundo
Sem nada de belo ou eterno;
Corpo forte em mente tenra.
Alucina o jovem sem trégua.

Os moços precisam de paz!

Modernoso

Certa vaidade em pessoa veio contar-me que numa das viagens financiadas pela empresa em que trabalha a um antigo país europeu desenvolvido – especificamente a uma empresa de negócios correlatos -, pôde constatar o atraso daquele exportador de cultura e disseminador das melhores práticas de gestão; sua obsolescência, pelo simples fato de que utilizavam uma planilha eletrônica, ao passo que ele, aqui, usava um sofisticadíssimo software desenvolvido pelo capital intelectual nativo.
Esqueceu-se dos salários que aquela empresa “arcaica” paga, a renda per capita dos habitantes, os indicadores sociais de altíssimo nível, reveladores da melhor qualidade de vida possível no capitalismo. Não atinou sequer que a empresa excursionada era líder no planeta na área de atuação da sua versão sul-americana, e inclusive, apresentava melhores e menos duvidosos resultados nas planilhas eletrônicas, do que ele no seu programa de ponta.
Com igual pasmo, à noite, tentei encadear a sequência de reportagens dos canais abertos: a) mais da metade de nossos irmãos estão ambientados na rede mundial e/ou tele-conversando por celulares; b) nas zonas centrais os punguistas preferem as bolsas das mulheres e os celulares de quem der sopa; c) mais de um quarto do povo está no limite da miséria; d) apresentamos relativos êxitos de crescimentos anuais; e) falta-nos mão de obra especializada; f) temos dos mais modernos códigos de trânsito do planeta e ainda assim muitos jovens se matam em acidentes ou são flagrados em franco desacato às leis; g) e demais reportagens: muitos assassinatos acontecem a todo instante pelos motivos mais fúteis ou torpes – estamos entre os primeiros lugares no ranking mundial de homicídios.
Fui dormir com sensação de que algo está desencaixado. Serei eu? Talvez também eu esteja deslocado nessa ordem.
Dia seguinte, no banco, a fila do caixa eletrônico não andava porque muitos usuários não sabiam operar a máquina e nenhum funcionário se dignava a orientá-los, até que, cedendo aos rogos e princípios de confusão, um empregado do banco apareceu. Zangado e grosseiro desfez a fila rapidamente, retirando-se para dentro das portas aos reclamos: “Êta, povinho burro!” 
Então, pareceu-me vivermos contraditoriamente como bárbaros modernos que olham o horizonte com olhos míopes, pregando o amor com total indiferença.

GRACIAS ANDINAS