Esta é mais uma dessas
historinhas-chão que se ouve a perder a conta durante os dias que se sucedem na
modorra das rotinas, contadas tão simplesmente para atravessar o tempo, sem
pretensão alguma e por pura falta de coisa melhor para dizer. Historinhas rasas
– tenho tédio disso e, com franqueza finjo que nem ouço.
Escrevo apenas. Escrevo
com o saco cheio! da falta de caráter de uns e outros (muitos uns e outros,
diga-se de passagem).
Vinha a macilenta
senhora de olhar libertário, rastejante e lépida, bradando contra a indignidade
que nos infligia aquele monte de caixas eletrônicos deficientes, com a maldita
operação de saque de dinheiro em apenas uma da fileira de máquinas lindas e
limpas. Dizia: “(...) bem a cara desses bancos!”.
E – eu Cazuzeando: como
uma “metralhadora cheia de mágoas” - a dona revoltosa, grandiloquentemente,
inflamava os presentes em desabrido protesto contra os sistemas desleais que
nos humilham na farsa do prático cotidiano capitalista, atiçando um a um.
Incitava o guarda
envidraçado do banco, a menor recém-gestante pouco à vontade numa calça fusô de
funkeira, os inúmeros aposentados, eu; enfim, toda essa récua de clientes da
angústia.
Ia ao seu custo, pela
insistência, combinando revolta aguerrida com a rala adesão que obtivera. A
coisa já aproava para uma operação contundente no local, a repercutir na mídia
e em grita das ruas.
Enquanto cooptava-nos ao seu motim para a derrubada revoltosa do
sistema, a despeito da turba que se apinhava na fila, ia passando as posições livremente,
caminhando, professoral, em direitura à única máquina cuspidora de dinheiro, já
com seu cartão plástico bancário – com insígnia de very important person – a postos.
E maldizia a fábula dos
lucros espúrios dos banqueiros desonestos, a precariedade dos serviços públicos
– ia se chegando -, criticava as inoperantes políticas públicas – mais perto -,
narrava duma enfiada os escândalos políticos – francamente defronte – advertia
sobre o próximo processo eleitoral... - chegou!
Silêncio absoluto de
segundos. Ela estava diante da máquina. Só ela e aquele símbolo da opressão
financeira. Todos aguardavam a ação mais adequada ao discurso: um soco
destruidor no display daquela geringonça, quem sabe?! Talvez um rasgado exemplo
antológico de retórica a plenos pulmões?! Violência e dramaticidade?!
Mas ela, com toda a paz
dos anjos, introduziu o cartão segundo o tutorial eletrônico, manejou o
mecanismo e zap!, recolheu várias cédulas fetidamente novas.
Contou-as com a precisão
de um sovina e a presteza de um caixa experiente; separou algumas, realinhou as
efígies, dobrou-as, colocou no bolso frontal da camisa de flanela rota, fez o
mesmo com as outras e depositou com o carinho maternal no seu embornal de brim.
Escorreu as mãos pelas
grenhas, ajeitou os óculos de pernas tortas, empertigou-se e, em passos firmes
e olhar libertário, levou, lépida, o seu corpo esquálido para fora do banco
junto com o olhar do público, deixando apenas o amargor do recalque e da
frustração de quem realmente somos e queremos.