sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A FURA-FILA

Esta é mais uma dessas historinhas-chão que se ouve a perder a conta durante os dias que se sucedem na modorra das rotinas, contadas tão simplesmente para atravessar o tempo, sem pretensão alguma e por pura falta de coisa melhor para dizer. Historinhas rasas – tenho tédio disso e, com franqueza finjo que nem ouço.
Escrevo apenas. Escrevo com o saco cheio! da falta de caráter de uns e outros (muitos uns e outros, diga-se de passagem).
Vinha a macilenta senhora de olhar libertário, rastejante e lépida, bradando contra a indignidade que nos infligia aquele monte de caixas eletrônicos deficientes, com a maldita operação de saque de dinheiro em apenas uma da fileira de máquinas lindas e limpas. Dizia: “(...) bem a cara desses bancos!”.
E – eu Cazuzeando: como uma “metralhadora cheia de mágoas” - a dona revoltosa, grandiloquentemente, inflamava os presentes em desabrido protesto contra os sistemas desleais que nos humilham na farsa do prático cotidiano capitalista, atiçando um a um.
Incitava o guarda envidraçado do banco, a menor recém-gestante pouco à vontade numa calça fusô de funkeira, os inúmeros aposentados, eu; enfim, toda essa récua de clientes da angústia.
Ia ao seu custo, pela insistência, combinando revolta aguerrida com a rala adesão que obtivera. A coisa já aproava para uma operação contundente no local, a repercutir na mídia e em grita das ruas.
Enquanto cooptava-nos ao seu motim para a derrubada revoltosa do sistema, a despeito da turba que se apinhava na fila, ia passando as posições livremente, caminhando, professoral, em direitura à única máquina cuspidora de dinheiro, já com seu cartão plástico bancário – com insígnia de very important person – a postos.
E maldizia a fábula dos lucros espúrios dos banqueiros desonestos, a precariedade dos serviços públicos – ia se chegando -, criticava as inoperantes políticas públicas – mais perto -, narrava duma enfiada os escândalos políticos – francamente defronte – advertia sobre o próximo processo eleitoral... - chegou!
Silêncio absoluto de segundos. Ela estava diante da máquina. Só ela e aquele símbolo da opressão financeira. Todos aguardavam a ação mais adequada ao discurso: um soco destruidor no display daquela geringonça, quem sabe?! Talvez um rasgado exemplo antológico de retórica a plenos pulmões?! Violência e dramaticidade?!
Mas ela, com toda a paz dos anjos, introduziu o cartão segundo o tutorial eletrônico, manejou o mecanismo e zap!, recolheu várias cédulas fetidamente novas.
Contou-as com a precisão de um sovina e a presteza de um caixa experiente; separou algumas, realinhou as efígies, dobrou-as, colocou no bolso frontal da camisa de flanela rota, fez o mesmo com as outras e depositou com o carinho maternal no seu embornal de brim.
Escorreu as mãos pelas grenhas, ajeitou os óculos de pernas tortas, empertigou-se e, em passos firmes e olhar libertário, levou, lépida, o seu corpo esquálido para fora do banco junto com o olhar do público, deixando apenas o amargor do recalque e da frustração de quem realmente somos e queremos.

GRACIAS ANDINAS