As lamentáveis imagens protagonizadas
por uma centena de bárbaros no último dia 08 de dezembro, durante uma partida
de futebol entre clubes do Paraná e Rio de Janeiro, num Estado sulino, tem
servido para rechear noticiosos do mundo todo com o que temos de mais cruento
em nossa condição de insegurança social. Demonstração de geração falsamente
espontânea de um mal repentino, de fúria de massas, de intolerância e de
estupidez, de ódio, de violência gratuita, de truculência.
Para quem não teve a oportunidade –
ou estômago - de assistir tão indigestas cenas, eternamente perplexo, de
memória, carrego horríveis flashs:
grupos reunidos em deliberados massacres a contendores caídos, alvejando suas
cabeças com clavas e pisões insanos, com o propósito literal de esmagá-los;
caídos e inconscientes, rivais sendo despojados de suas roupas; e já desfalecidos,
não eram poupados dos incessantes e intensos golpes aplicados com total
energia.
Num jogo de empurra-empurra,
órgãos públicos, entidades esportivas, clubes e polícia se eximem de
culpabilidade inculpando uns aos outros.
Foi uma guerra de torcidas.
Entenda-se: um pessoal com alma distorcida.
Um grupo de maníacos. Sim, uma geração
de doentes, porém não mais que o eco do que vimos presenciando incontavelmente no
cotidiano da violência em todos os seus horrendos matizes, por todo canto,
sejam habitats urbanos, meios rurais, estádios de futebol; estejam seus agentes
disfarçados de torcedores, grupos de vândalos pretensamente libertários; sejam malfeitores
assumidamente criminosos.
Somou-se às inumeráveis cenas diárias
de horror, triste e perigosamente banalizadas, em caminho de uma aparente
normalização em nossos corações e mentes.
Qual o motivo, afinal de contas,
dessa carnificina? São muitos, com um único efeito psicossocial: permitir que
grassem tipos assim violentos: impunidade, falta de educação social,
distribuição perversa de renda e oportunidades, e uma cultura tantalizante de
consumo. Ora, as psicopatas não brotam do chão!
Cadeia, só? Será que resolve? Pena
de morte? Deus o livre! - não há. Radical e temerário que pareça o desejo de extirpar
tipos tão execráveis, o fato é que não inspira mais a menor fé que seres tão
brutais como esses se resolvam por encarceramento ou em programas
socioeducativos.
Mais trágica é a certeza de que,
seja pela extinção dos criminosos indigitados ou seu isolamento do corpo social
- e ainda que nossos esforços prevencionistas e mecanismos de justiça e polícia
se apurem doravante - a reprodução de mafiosos facínoras desse naipe não
cessará.
Não, o futebol não é só um
esporte, como alegam uns, em favor do sistema desportivo, atribuindo o problema
à má índole de um grupelho ou supondo ter havido apenas um acidente, um fato
isolado. Deveria ser apenas um esporte, mas não é.
O futebol não é só um esporte,
segundo o que fizeram dele os mesmos cínicos defensores do lucrativo negócio, que
negligenciam aspectos de segurança durante encontros de grandes multidões
antagonistas.
O futebol, um dos mais eficazes
instrumentos de manobra de massas, é uma indústria altamente rentável elevada à
condição de quase religião, cuidadosamente cevada por uma aparelharem política
e midiática, que, por falta de uma democracia cultural e da inexistência de
sentimentos mais nobres de pátria e amor-próprio, é oferecida por gente do
entretenimento como conforto espiritual infalível a uma turba deseducada e
brutal, carente e adoecida, um câncer metastático no meio de gente saudável.
Não é à toa que torcedores entoam
com esmero o hino de seus clubes, enquanto a maioria de nós não sabe na íntegra
o hino nacional; que se persigam carreiras e vidas de atletas com sofreguidão
de paparazzi; que os atores faturem milhões e os espetáculos movimentem
recursos estratosféricos; e que saibamos um escrete de cor e salteado quando
nem mesmo nos lembremos do nome do candidato de escolha nas últimas eleições.
Não é só o futebol, não. Tem mais
instrumentos na orquestra: telenovelas, programas de auditório, igrejas, jogos
de azar, música ruim e drogas de todo tipo (lícitas ou não). Mas estes entorpecem.
De todas as cortinas de fumaça da desgraça, com efeito, o melhor cenário para a
liberação mais expansiva de ódio e crueldade, tem sido o espetáculo do futebol.
Triste! Triste! Porque o futebol,
embora envolvente e apaixonante, é tão somente um jogo, enfim!