MONÓLOGO: ENCONTRO VIRTUAL
– DRAMA, DESEJO E MEDO DE “UM”
Tenho medo que alguém
maníaco invada meu corpo a salvo, intacto; desconstrua minha identidade, ponha
a descoberto meu mundo que aparece equilibrado aos olhos estreitos de meus sólidos
circuitos sociais – por vezes, sócios na dissimulação da dor e da
hipocrisia... E por fim, que esse ser
intrujão – facínora - vilipendie também minha alma.
Porém, é
impossível não admitir o quanto me atrai e regozija a ideia de ter você assim tão
perto, tanto acessível - e em tão inexpugnável segurança. Estou defeso da fúria
das frustações, dos desencantos que corrompem o ânimo, que desiludem da alegria,
que esmagam impiedosamente sonhos e projetos, desesperando a esperança,
aniquilando convicções, pondo em risco meu mais apreciado desvelo: eu, o “um”.
Tal como uma
seiva, uma energia conveniente que perpassa o corpo e vai ao espírito, ao fundo
do coração até, e mais...!
Compulsivamente
procuro a razão de gostar desse contato à distância - se bem haja a latência do
medo de descobrir ao final, que o comportamento flui involuntário - fruto de
distanciamento, da deseducação e perda da habilidade de me expor.
Quem sabe não
seja então – me arrogo do estandarte - uma deliberação consciente? Mas por quê?
E por que continuo procurando?
Desculpe-me tanta
confusão, mas é que o mundo é cruel!
As pessoas são
cruéis!
Os sistemas são
cruéis!
Eu não sou. Não
sou cruel. Não de caso pensado. Se muito for, terei sido ao final da vida, só
mais um...
O “um” que
serpenteia, ao lado dos bilhões de outros “uns”, com a corrente dos
acontecimentos vorazes do mundo, as falácias, o consumo, o dissabor dos dias
que passam sem efusões, sem carinho, sem amor.
[Desculpe-me o
leitor que inocentemente topou com esse palavrório lamentoso, esse monodrama,
essa maçada! Tenha que é um pensamento desordenado em voz alta, desses que a
gente tenta compenetrar em meio a uma multidão que grita – uma incontável quantidade
de “uns”].
Ah! As inúmeras
vezes em que nos traímos: “somos, cada qual, o amor da vida de alguém” - li da
confissão de Max Tivoli.
E sonhamos tão
real que esquecemos os acordos prementes, irrevogáveis: as obrigações
românticas esponsais (e as esponsais sem romantismo), a educação dos filhos e
as contas – de que não pode haver distrato; compromissos assumidos noutro
mundo, quando o “um” ainda não existia para se fazer dois – faltava base, faltava
o outro “um”. Sempre faltará o outro “um” a fazer dois.
Porque o “um” que
refiro é inteiro indivisível, sob a pena de se condenar a nada, se fracionado.
Dele se empresta
e se usa; ele usa-se e empresta-se a si mesmo, mas depois se recolhe,
aquieta-se, reorienta-se em busca doutros “uns”. Mas nunca haverá “um” a fazer
dois, embora dois se iludam num “um” artificial e transitório.
A voz do
interlocutor lhe falta. Esse “um” está incompleto! A percepção do primeiro está
incompleta então!
Este busca evitar
enredamento em armadilhas do coração – deslumbramento de quem ainda acredita
(mais moderadamente do que outrora) na fusão para o “dois”, mesmo apostando que
não acontecerá. Nunca por muito tempo... Ou simplesmente, nunca.
Cheira
fragrâncias e confere dinamismo à foto parada. Fingem-se, de olhos fechados,
cenas felizes de prazer e luxúria, quando não uma nova vida, um destino novo.
Excita-se, mas ao cabo de algum tempo, se resigna, se desconecta da
virtualidade, como fizera tempo antes, a fugir do real.
Ele é só o que eu
sou: incautos “uns”, ingenuamente procurando um dia tornarem-se dois.