XXXII - CAMPO SANTO - CAMPO DE BATALHA
Os
rumores eram cada vez mais intensos e depurados. Os boatos tomavam feição de notícia.
Os sepultadores acompanhavam tudo pela tevê. “Não podiam evitar o
inevitável...”
Prevendo
que o embate, de ideológico e político se transformaria em combate armado
trataram de operar a logística da resistência.
Remeteram
para todas as suas diretorias regionais, instruções de armazenamento alimentar,
suprimentos de armas, vigilância dia e noite, estoque de munições, remédios e
roupas. Principalmente, exortaram os colegas a concentrarem o maior número de
coveiros por cemitério e que a concentração deveria ser feita de maneira a mais
discreta possível em, no máximo, três Necrópoles estrategicamente localizadas
em regiões populosas de grande atividade comercial.
Laurenciano
e seu grupo distribuíram os combatentes nos cemitérios Verde, Azul e Roxo.
Grandão e Neguinho-Buiú trataram das armas conseguidas a preços baixos de
traficantes e nóias. Além dos alimentos que cada um trouxe de casa, trataram de
plantar provisões de mandioca, milho e batata em centenas de covas de terra
abandonadas. Com nenhuma experiência de guerrilha acreditavam-se assaz munidos
e fortes para durarem meses.
Não
tardou. O chefe da operação repressora entrou com o ultimato de abandonarem o
local, senão por bem, pela força.
A
resposta gritada por Burquinha posteriormente tornou-se refrão vazio duma
canção popular que ninguém conhece: “Sem dignidade não existe diferença entre
vida e morte.”
O
cemitério cercado, ninguém sabe de onde partiu o primeiro disparo, mas houve repentina
saraivada, um trovejar de estampidos.
Burquinha,
com lágrimas nos olhos azuis, danou a correr aos gritos de “filhas das putas”,
com dois revólveres nas mãos descarregando a esmo.
Foi
morto com tantos furos que seu corpo resultou total e completamente desfigurado
– contaram-se cento e quatorze projeteis na autópsia.
Retardatário
que foi socorrê-lo recebeu uma única bala na cabeça e sequer gemeu. Caiu perpendicularmente ao lado do
companheiro, formando uma cruz.
As mulheres
e crianças até então seguras, estavam confinadas num barraco onde guardavam os
materiais de sepultamento, e agora também suas histerias.
Soldados,
sorrateiramente, saltaram os muros, armados com pesados calibres.
Ao sinal
de um tilintar – que hoje se supõe da queda de um ancinho -, abriram tantos
buracos na edificação de madeira quantas balas cada uma das trinta e seis armas
permitiu.
Na
devastação daquele barracão nenhuma alma sobreviveu.
Mais
mortes rápidas: cinquenta e quatro funcionários rebeldes foram surpreendidos e
mortos num brutal e sumário fuzilamento.
Laurenciano,
Grandão e Neguinho-Buiú foram cravejados de balas, em franco enfrentamento com
os adversários.
Não se
apurou a responsabilidade de quem teria lançado explosivos que destroçaram sepulcros
e corpos vivos. Vieram à superfície milhares de corpos que jaziam há anos
quietos em suas campas. Capelas e jazigos foram abaixo.
A
operação não durou vinte minutos.
Nos
outros focos de resistência espalhados pelo país, os que não sentiram os
efeitos ruinosos do combate se renderam, e seus líderes foram aprisionados.
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