quarta-feira, 5 de setembro de 2012

As Crônicas dos Coveiros do Cemitério Verde - Capítulo XXXII - CAMPO SANTO - CAMPO DE BATALHA


XXXII - CAMPO SANTO - CAMPO DE BATALHA
Os rumores eram cada vez mais intensos e depurados. Os boatos tomavam feição de notícia. Os sepultadores acompanhavam tudo pela tevê. “Não podiam evitar o inevitável...”
Prevendo que o embate, de ideológico e político se transformaria em combate armado trataram de operar a logística da resistência.
Remeteram para todas as suas diretorias regionais, instruções de armazenamento alimentar, suprimentos de armas, vigilância dia e noite, estoque de munições, remédios e roupas. Principalmente, exortaram os colegas a concentrarem o maior número de coveiros por cemitério e que a concentração deveria ser feita de maneira a mais discreta possível em, no máximo, três Necrópoles estrategicamente localizadas em regiões populosas de grande atividade comercial.
Laurenciano e seu grupo distribuíram os combatentes nos cemitérios Verde, Azul e Roxo. Grandão e Neguinho-Buiú trataram das armas conseguidas a preços baixos de traficantes e nóias. Além dos alimentos que cada um trouxe de casa, trataram de plantar provisões de mandioca, milho e batata em centenas de covas de terra abandonadas. Com nenhuma experiência de guerrilha acreditavam-se assaz munidos e fortes para durarem meses.
Não tardou. O chefe da operação repressora entrou com o ultimato de abandonarem o local, senão por bem, pela força.
A resposta gritada por Burquinha posteriormente tornou-se refrão vazio duma canção popular que ninguém conhece: “Sem dignidade não existe diferença entre vida e morte.”
O cemitério cercado, ninguém sabe de onde partiu o primeiro disparo, mas houve repentina saraivada, um trovejar de estampidos.
Burquinha, com lágrimas nos olhos azuis, danou a correr aos gritos de “filhas das putas”, com dois revólveres nas mãos descarregando a esmo.
Foi morto com tantos furos que seu corpo resultou total e completamente desfigurado – contaram-se cento e quatorze projeteis na autópsia.
Retardatário que foi socorrê-lo recebeu uma única bala na cabeça e sequer gemeu.  Caiu perpendicularmente ao lado do companheiro, formando uma cruz.
As mulheres e crianças até então seguras, estavam confinadas num barraco onde guardavam os materiais de sepultamento, e agora também suas histerias.
Soldados, sorrateiramente, saltaram os muros, armados com pesados calibres.
Ao sinal de um tilintar – que hoje se supõe da queda de um ancinho -, abriram tantos buracos na edificação de madeira quantas balas cada uma das trinta e seis armas permitiu.
Na devastação daquele barracão nenhuma alma sobreviveu.
Mais mortes rápidas: cinquenta e quatro funcionários rebeldes foram surpreendidos e mortos num brutal e sumário fuzilamento.
Laurenciano, Grandão e Neguinho-Buiú foram cravejados de balas, em franco enfrentamento com os adversários.
Não se apurou a responsabilidade de quem teria lançado explosivos que destroçaram sepulcros e corpos vivos. Vieram à superfície milhares de corpos que jaziam há anos quietos em suas campas. Capelas e jazigos foram abaixo.
A operação não durou vinte minutos.
Nos outros focos de resistência espalhados pelo país, os que não sentiram os efeitos ruinosos do combate se renderam, e seus líderes foram aprisionados.

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