XXX - FENACOVEIRO
Laurenciano
foi eleito Secretário Geral e Burquinha, Secretário de Comunicação. O
Retardatário ficou com a Diretoria da Região Sul. As outras diretorias
regionais ficaram a cargo dos filhos de cada região.
A
primeira audiência de negociações foi conseguida com muito custo, e a reunião
foi decepcionante. O presidente da Associação de Cemitérios Privados recebeu a
inaudita comissão com tamanha indiferença, que por instantes abalou a firmeza de
propósito dos trabalhadores.
Em
quarenta minutos expuseram seus problemas e possíveis soluções, o presidente,
displicentemente, disse que avaliaria a pauta de reivindicações.
Duas
semanas, nenhum contato, nenhuma manifestação.
Instaram
em contatar o grupo de empresários e foram informados da impossibilidade de
atender a mais de noventa por cento das propostas.
Tomaram
diferentes iniciativas: procuraram amparo jurídico e apoio de diversas assessorias;
recorreram à imprensa e acordaram uma passeata conjunta com outros
trabalhadores e outras minorias.
Cinco
meses, nada conseguiram. Sequer os fidalgos se dignaram a barganhar os exames
médicos periódicos.
Novas
passeatas, agora em vários pontos do país. Aparições na imprensa; apoios de
políticos supostamente humanistas; pleitos em tribunais de trabalho, associações
com outros grupos, etc.
A
categoria ganhou espaço nas gazetas e nos comentários do povo em geral. Tanto
uns quanto os outros não criam no sucesso dessa inovação, apostavam mesmo que
tudo terminaria logo.
Nove
meses de pressão, Laurenciano propôs greve: “Não tem jeito, eles não aceitam
negociar... a gente faz mais pressão nos tribunais, eles vivem prorrogando;
marcamos reuniões com o cara lá, ou ele é intransigente ou está viajando. E a
imprensa? A imprensa, a qualquer momento pode mudar o foco das notícias se
houver mais morte nas enchentes, nos desastres rodoviários, nas guerras da
periferia, na matança das drogas ou nos peidos de alguma celebridade. E os
políticos? Nenhum deles falou em projeto de lei pra gente!”
- Laurenciano! Pessoal, pessoal! Óia... Óia!!! – acorria esbaforido
Burquinha com um papel na mão que apanhou do fax dum escritório de advocacia
das proximidades – Mataram o Trindade. Atiraram nele... Ele tá morto! Morto!
- Não tem jeito mesmo pessoal. Nós não podemos evitar o
inevitável: o negócio é greve. Aparecermos, só, não basta. É como sofrer com
dor e não tomar remédio, ver a chuva e não se cobrir. Eles todos vão ficar nos
levando em banho-maria até que desistamos e o grupo que formamos se enfraqueça
e se acabe. Sou a favor da greve e quem estiver comigo, levante o braço, certo?
– ergueu o orador agressivamente o braço.
Trindade
era sepultador de uma cidade sertaneja do norte do país, que assumira a
responsabilidade de organizar a categoria daqueles rincões. O recorte do jornal
dizia:
Sepultador é morto durante confronto com a guarda
civil – Nesta segunda feira, 4, Antonio Z., 29, conhecido por Trindade, morreu
após ter recebido forte pancada na cabeça, durante confronto com a guarda
civil.
Trindade tinha assumido a diretoria norte da
Federação Nacional dos Coveiros - FENACOVEIRO, e com o grupo de inumadores da
empresa operadora dos serviços funerários, VIAMORTES, promovia manifestação
pacífica em frente ao Palácio do Governo.
Testemunhas afirmam que a ação da guarda foi
truculenta, avançando sobre a massa pacífica sem motivação aparente.
No confronto Trindade e outros nove inumadores
foram brutalmente atingidos com cassetetes e escudos.
Todos foram atendidos no Hospital AA. Seis foram
liberados após atendimento e passam bem. Três estão em observação e, segundo os
médicos, correm risco de morte.
Trindade não resistiu aos ferimentos e faleceu. Seu
sepultamento será feito pelos próprios colegas na Igreja Bartolomeu – Ralinho,
pois a concessionária VIAMORTES não permitiu que o corpo fosse enterrado em
suas dependências.
Sua
morte motivou a greve, indignação e sede de justiça. Todos ergueram os seus
braços e decidiram pela greve.
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