segunda-feira, 23 de julho de 2012


XXX - FENACOVEIRO
Laurenciano foi eleito Secretário Geral e Burquinha, Secretário de Comunicação. O Retardatário ficou com a Diretoria da Região Sul. As outras diretorias regionais ficaram a cargo dos filhos de cada região.
A primeira audiência de negociações foi conseguida com muito custo, e a reunião foi decepcionante. O presidente da Associação de Cemitérios Privados recebeu a inaudita comissão com tamanha indiferença, que por instantes abalou a firmeza de propósito dos trabalhadores.
Em quarenta minutos expuseram seus problemas e possíveis soluções, o presidente, displicentemente, disse que avaliaria a pauta de reivindicações.
Duas semanas, nenhum contato, nenhuma manifestação.
Instaram em contatar o grupo de empresários e foram informados da impossibilidade de atender a mais de noventa por cento das propostas.
Tomaram diferentes iniciativas: procuraram amparo jurídico e apoio de diversas assessorias; recorreram à imprensa e acordaram uma passeata conjunta com outros trabalhadores e outras minorias.
Cinco meses, nada conseguiram. Sequer os fidalgos se dignaram a barganhar os exames médicos periódicos.
Novas passeatas, agora em vários pontos do país. Aparições na imprensa; apoios de políticos supostamente humanistas; pleitos em tribunais de trabalho, associações com outros grupos, etc.
A categoria ganhou espaço nas gazetas e nos comentários do povo em geral. Tanto uns quanto os outros não criam no sucesso dessa inovação, apostavam mesmo que tudo terminaria logo.
Nove meses de pressão, Laurenciano propôs greve: “Não tem jeito, eles não aceitam negociar... a gente faz mais pressão nos tribunais, eles vivem prorrogando; marcamos reuniões com o cara lá, ou ele é intransigente ou está viajando. E a imprensa? A imprensa, a qualquer momento pode mudar o foco das notícias se houver mais morte nas enchentes, nos desastres rodoviários, nas guerras da periferia, na matança das drogas ou nos peidos de alguma celebridade. E os políticos? Nenhum deles falou em projeto de lei pra gente!”
- Laurenciano! Pessoal, pessoal! Óia... Óia!!! – acorria esbaforido Burquinha com um papel na mão que apanhou do fax dum escritório de advocacia das proximidades – Mataram o Trindade. Atiraram nele... Ele tá morto! Morto!
- Não tem jeito mesmo pessoal. Nós não podemos evitar o inevitável: o negócio é greve. Aparecermos, só, não basta. É como sofrer com dor e não tomar remédio, ver a chuva e não se cobrir. Eles todos vão ficar nos levando em banho-maria até que desistamos e o grupo que formamos se enfraqueça e se acabe. Sou a favor da greve e quem estiver comigo, levante o braço, certo? – ergueu o orador agressivamente o braço.
Trindade era sepultador de uma cidade sertaneja do norte do país, que assumira a responsabilidade de organizar a categoria daqueles rincões. O recorte do jornal dizia:
Sepultador é morto durante confronto com a guarda civil – Nesta segunda feira, 4, Antonio Z., 29, conhecido por Trindade, morreu após ter recebido forte pancada na cabeça, durante confronto com a guarda civil.
Trindade tinha assumido a diretoria norte da Federação Nacional dos Coveiros - FENACOVEIRO, e com o grupo de inumadores da empresa operadora dos serviços funerários, VIAMORTES, promovia manifestação pacífica em frente ao Palácio do Governo.
Testemunhas afirmam que a ação da guarda foi truculenta, avançando sobre a massa pacífica sem motivação aparente.
No confronto Trindade e outros nove inumadores foram brutalmente atingidos com cassetetes e escudos.
Todos foram atendidos no Hospital AA. Seis foram liberados após atendimento e passam bem. Três estão em observação e, segundo os médicos, correm risco de morte.
Trindade não resistiu aos ferimentos e faleceu. Seu sepultamento será feito pelos próprios colegas na Igreja Bartolomeu – Ralinho, pois a concessionária VIAMORTES não permitiu que o corpo fosse enterrado em suas dependências.
Sua morte motivou a greve, indignação e sede de justiça. Todos ergueram os seus braços e decidiram pela greve.

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GRACIAS ANDINAS