XXIX - SEMENTE FECUNDADA
O
impacto do falatório perdurou dois dias sem que os colegas dissessem nada uns
aos outros sobre a causa proposta.
Guinariam
suas vidas?
Estavam
todos evidentemente mudados de comportamento e semblantes. Tinha algo de
robótico ou instintivo nas tarefas que executavam – abaixavam esquifes de forma
mecânica e silenciosamente, impressionava encaixarem-nos sem percalço nas gavetas
pretendidas. Abriam covas sem se deterem nos cuidados do perímetro escavado, e
faziam-no usualmente tudo certo e rápido.
No
terceiro dia, entretanto, um caminhão que parou em frente ao portão mais
próximo do refeitório danou a buzinar. Eram os sepultadores do cemitério Roxo.
Vieram buscar o time do cemitério Verde para uma pelada, como tinham combinado
mês passado.
Os
verdeanos surpreendidos largaram seus distanciamentos, pois estavam justamente combinados
que apenas os plantonistas ficariam; aos demais estava permitida a saída
antecipada em troca da compensação no período de preparação do cemitério para o
feriado de finados próximo.
No
aterro dos fundos do cemitério Roxo, uniformizados, o escrete verde estava
posicionado, aguardando o apito inicial.
Cinco
minutos de partida, um lance alteraria o ânimo das equipes: um sepultador
roxeano entrou de sola num verde e o contundiu seriamente. O roxeano era formado
na cultura do tesão pela violência. Era cheio de si e tudo era questão de
honra, de brio, de superioridade física; seguia a lei do mais forte.
Início
de refrega generalizada. Sopapos e pontapés. Um roxeano deu tiros para o alto
para por fim à briga. Teve êxito. Cada grupo carregou seu ódio para o
vestiário.
Os
roxeanos, tramando revanche e vingança da defensiva verde, foram visitados
inesperadamente por Laurenciano.
Num
momento esboçaram agredi-lo, mas se detiveram graças à sinceridade de seus olhos.
No
vestiário verde os contendores estavam precavidos contra qualquer possível agressão
a Laurenciano, que a contragosto do time, saíra resoluto do plano de reconquistar
os colegas do cemitério irmão e trazê-los para a causa mencionada na reunião de
três antes.
O
coveiro revolucionário regressou hora depois, seguido dos roxeanos que, ante o
sobressalto dos verdes, de pronto se desculparam, anunciaram solidariedade às
reivindicações e ofereceram o espaço físico para as próximas reuniões do grupo,
do qual desde já solenemente faziam parte.
Estava
relativamente fácil convencer os companheiros da categoria da importância da
causa. Se havia dificuldade o era em função do medo, do complexo de
inferioridade que sentiam, e principalmente, do fato de serem gerações cevadas
nas mentiras contadas pelos patrocinadores dessa maneira de viver, transpiradas
em tudo.
Laurenciano
traçou um cronograma de visitações aos outros cemitérios do país, e levando em
consideração férias, licença, fins de semana e feriados prolongados, organizou
grupos pequenos, pares ou visitas individuais.
O
Retardatário visitou e trouxe o parecer favorável dos sepultadores de dez
necrópoles do Sul.
Porca e
Miguelito chamaram os colegas do Cemitério Azul, e durante suas férias –
tiravam férias juntos - granjearam os cemitérios do interior e de lá anunciaram
a adesão de quinze deles.
Estava
em gestação a Federação Nacional dos Coveiros – FENACOVEIRO.
Trataram
de formalizar a entidade numa pauta de reivindicações e designaram comissão para
parlamentar com o presidente da Associação dos Cemitérios Privados.
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