domingo, 8 de julho de 2012


XXIX - SEMENTE FECUNDADA
O impacto do falatório perdurou dois dias sem que os colegas dissessem nada uns aos outros sobre a causa proposta.
Guinariam suas vidas?
Estavam todos evidentemente mudados de comportamento e semblantes. Tinha algo de robótico ou instintivo nas tarefas que executavam – abaixavam esquifes de forma mecânica e silenciosamente, impressionava encaixarem-nos sem percalço nas gavetas pretendidas. Abriam covas sem se deterem nos cuidados do perímetro escavado, e faziam-no usualmente tudo certo e rápido.
No terceiro dia, entretanto, um caminhão que parou em frente ao portão mais próximo do refeitório danou a buzinar. Eram os sepultadores do cemitério Roxo. Vieram buscar o time do cemitério Verde para uma pelada, como tinham combinado mês passado.
Os verdeanos surpreendidos largaram seus distanciamentos, pois estavam justamente combinados que apenas os plantonistas ficariam; aos demais estava permitida a saída antecipada em troca da compensação no período de preparação do cemitério para o feriado de finados próximo.
No aterro dos fundos do cemitério Roxo, uniformizados, o escrete verde estava posicionado, aguardando o apito inicial.
Cinco minutos de partida, um lance alteraria o ânimo das equipes: um sepultador roxeano entrou de sola num verde e o contundiu seriamente. O roxeano era formado na cultura do tesão pela violência. Era cheio de si e tudo era questão de honra, de brio, de superioridade física; seguia a lei do mais forte.
Início de refrega generalizada. Sopapos e pontapés. Um roxeano deu tiros para o alto para por fim à briga. Teve êxito. Cada grupo carregou seu ódio para o vestiário.
Os roxeanos, tramando revanche e vingança da defensiva verde, foram visitados inesperadamente por Laurenciano.
Num momento esboçaram agredi-lo, mas se detiveram graças à sinceridade de seus olhos.
No vestiário verde os contendores estavam precavidos contra qualquer possível agressão a Laurenciano, que a contragosto do time, saíra resoluto do plano de reconquistar os colegas do cemitério irmão e trazê-los para a causa mencionada na reunião de três antes.
O coveiro revolucionário regressou hora depois, seguido dos roxeanos que, ante o sobressalto dos verdes, de pronto se desculparam, anunciaram solidariedade às reivindicações e ofereceram o espaço físico para as próximas reuniões do grupo, do qual desde já solenemente faziam parte.
Estava relativamente fácil convencer os companheiros da categoria da importância da causa. Se havia dificuldade o era em função do medo, do complexo de inferioridade que sentiam, e principalmente, do fato de serem gerações cevadas nas mentiras contadas pelos patrocinadores dessa maneira de viver, transpiradas em tudo.
Laurenciano traçou um cronograma de visitações aos outros cemitérios do país, e levando em consideração férias, licença, fins de semana e feriados prolongados, organizou grupos pequenos, pares ou visitas individuais.
O Retardatário visitou e trouxe o parecer favorável dos sepultadores de dez necrópoles do Sul.
Porca e Miguelito chamaram os colegas do Cemitério Azul, e durante suas férias – tiravam férias juntos - granjearam os cemitérios do interior e de lá anunciaram a adesão de quinze deles.
Estava em gestação a Federação Nacional dos Coveiros – FENACOVEIRO.
Trataram de formalizar a entidade numa pauta de reivindicações e designaram comissão para parlamentar com o presidente da Associação dos Cemitérios Privados.

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GRACIAS ANDINAS