sexta-feira, 4 de março de 2011

Vida Mestra

O pai chamou seus filhos na varanda para apreciarem uma alegoria juntos, de perto.
Conquanto as teias estivessem vastas, fechando os flancos da varanda em pública demonstração de desleixo, serviram ao propósito da demonstração prática de como é a vida entre os homens.
Trouxe secretamente consigo um minúsculo pedaço de jornal na mão, apontou aos meninos a teia menor do lado esquerdo:
- Vejam isto. – fragmentou o papel, ensopou-o na poça que se formara da chuva da noite e arremessou na teia. Logo uma enorme aranha precipitou-se sobre a presa putativa, com a ânsia dos famintos. Verificada a abiose da refeição, despojou-a para limpar sua armadilha.
- Nossa! Pai, pai... – os meninos perderam o fôlego ante a fascinante cena, cruel e maravilhoso.
- Ela não desiste. – disse o pai. Arremessou outro pedacinho e novamente a aranha procedeu ao ataque e descarte do papel.
- Isso é igual aqui. – apontou a teia maior, preparou e lançou a falsa cobaia; a aranha fez o mesmo ritual: avançou impetuosamente, verificou sua impropriedade, descartou. Repetiu mais duas vezes a experiência.
- Pai, porque não jogamos um inseto vivo pra ver o que ela vai fazer?
- Não, filhos! Não que eu não pudesse fazer isso; mas a natureza se incumbe desta fatalidade.
Continuou: “O que eu queria mostrar para vocês é como as coisas acontecem no mundo: o mal é como essa aranha; tece suas teias para nos apanhar, e quando estamos enredados, ele se lança sobre nós com pressa, e com fúria nos consome. Temos que tomar cuidado com as ciladas e, na hipótese de sermos atados, não termos em nós qualquer seiva que lhe sirva de alimento.”
 - E quando é que a natureza manda um inseto para teia ou alguém para o mal, pai?
- A natureza manda um inseto para a aranha porque essa é a lógica da vida animal: a aranha é capacitada para fazer teias e capturar seu alimento, mas o inseto é incapaz de guardar a precaução; no entanto, a natureza não manda ninguém para o mal. Se alguém vai é por causa da ignorância ou desatenção, ou porque subestima a nocividade do mal, ou por que foi enganado.
- Mas o que é o mal pai, perguntou o caçula, enquanto o outro tinha já arranjado também um pedaço de papel e se preparava para a experiência solo.
- O mal, meu filho são muitas coisas...
- Espera aí pai. – atalhou a explanação. “João me dá um pedaço? Eu também quero jogar insetos de mentira...”
O pai, a sonoras risadas, entrou em casa rogando a Deus que cuidasse de seus meninos.
Eles, a despeito de todas as verdades que o pai pedagogicamente lhes ensinara, ficaram até de noitinha se divertindo em arremessar pedacinhos de papel na teia, e enganar a aranha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GRACIAS ANDINAS