domingo, 10 de abril de 2011

CAPÍTULO1 - O BERÇO DESTRÚIDO

Vinte e quatro de abril de dois mil e onze de Nosso Senhor.
Cento vinte pessoas estavam reunidas no pátio da ala sul do campus para ouvir a preleção do Reitor Mozamba Maçique.
A Escola Internacional de Aperfeiçoamento reunia rapazes e moças de todas as etnias, de todas as partes do mundo.
O denominador comum entre eles era serem autênticos prodígios, dotados de capacidades excepcionais e incontestáveis, incríveis energias físicas e mentais.
Levitação, telecinética, telepatia, invisibilidade, virtuosidade nas ciências e nas artes, alta velocidade e grande potência física, apurada acuidade visual e auditiva, irradiação de partículas e ondas de força, e outras muitas faculdades não comuns às potências humanas conhecidas, permitiam classificá-los portadores de talentos sobrenaturais.
Conquanto houvesse especial atenção aos períodos emocionais de cada idade - a cargo da comissão dos melhores pedagogos e psicólogos do mundo -, à vista da homogeneidade intelectiva do grupo, não havia divisão em classes etárias, mas sessões contínuas por habilidades específicas em salas e espaços temáticos evolutivos, para simulações de combate e situações de alto risco.
- Lá vem esse senegalês com suas prosopopéias... Parece que não somos inteligentes o suficiente entender nossa missão na Liga Galáctica - cochichava inaudível Astor Villens, referindo-se aos longos discursos de abertura dos trabalhos anuais, nos quais o Reitor infalivelmente descrevia os ideais dos próceres fundadores da instituição, seus visionários amigos de mocidade, dos quais apenas ele e mais dois sobreviveram.
- Silêncio, Astor! Tenha mais respeito pelo Doutor Maçique! - disse Swuiffer.
- Obrigado senhorita Stellmann - agradeceu Mozamba do longínquo palanque, fazendo ruborizar as rosetas naturais das faces de Astor Villens. - A propósito, senhor Villens, sou de Moçambique.
Discursava o Reitor:
- Baraq Willians, meu grande amigo e colaborador nas inúmeras investidas nos oceanos e continentes - para combater os ataques das forças maléficas, costumava dizer: “Moza, meu velho, todos nós somos impressionantes. Todos e qualquer um tem dentro si uma força que o impele a não desistir diante das adversidades”. Concordo com Baraq, cavalheiros, senhoritas: todos e qualquer um tem em si uma força comum de vida dada pelo Criador. Mas alguns, no entanto, tomando consciência desta força, fazem melhor uso dela: constroem um mundo mais seguro e feliz. Lembrem, porém, do mais importante: acima de qualquer dessas habilidades que os senhores possam apresentar, a excelência é a do amor à humanidade.
- Por isso - continuou - neste ano, considerando que os senhores compõem as mais recentes descobertas da EIA, seu treinamento será menos no ambiente acadêmico, e se concentrará na troca de experiências e na vivência de situações reais com os alunos mais velhos, atuais agentes especiais da Liga Galáctica. Para isso, considerando que temos quarenta graduados, cada deles recepcionará, por sorteio - portanto independente das habilidades específicas -, três novos membros da EIA.
“Por hoje, descansem. Pela manhã receberão por baixo da porta de seus alojamentos, o nome de seus tutores.”
Com efeito, os cento e vinte alunos foram os últimos superdotados localizados por um secreto comitê mundial de rastreamento, composto por cientistas, agentes dos governos e representantes da ONU. À exceção dos últimos, os outros eram selecionados por uma banca da EIA, composta necessariamente por um nome de cada país, e de cada continente do planeta.
A banca EIA era formada por maioria terráquea, mas sempre com a representação de, no mínimo, cinco outros planetas da Galáxia.
A EIA foi fundada em 1945, em uma ilha do Pacífico Sul, quando no final da guerra, antevendo a corrida armamentista e o início da escalada espacial, jovens sobreviventes de campos de concentração juntaram-se a egressos do cenário das bombas, e de países onde haviam se instalado pretensas ditaduras espirituais.
Perceberam que a união das diversas raças e culturas, poderia esvaziar qualquer discurso de diferenças com intenção tendenciosa de dominação dos indivíduos.
Praticavam lutas e atletismo, exercitavam-se em física e astronomia, filosofia, antropologia, artes plásticas e música.
Um grupo de filantropos que certa noite recebeu a visita de extraterrestres. Com eles desenvolveram inúmeras habilidades especiais com as quais passaram a enfrentar os mais cruéis exércitos, impedindo a imposição da tirania, na Terra e noutros planetas da Galáxia.
Na primeira década estavam sós, porém, decorrido o tempo e afamados seus feitos, vieram somar-se ao grupo cientistas e magnatas, homens e mulheres cansados de um mundo perdido e sem juízo.
A Escola Internacional de Aperfeiçoamento é secreta. Cada um dos membros é prévia e longamente observado desde o nascedouro.
Poucos restam a cada ciclo por dois motivos essenciais: a curta expectativa de vida - um mistério! - é natural cerceadora de seus dons; ademais, muitos expiram ante as mais terríveis batalhas contra diversos seres do universo. Nada disso foi encoberto aos novatos.
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No grupo dos alunos tutores, dois irmãos se despediam de suas namoradas. Sam Theodore, o mais novo, e John Pitsburry - a quem Sam chamava graciosamente de chefinho por ser o mais velho e um extremoso guardião dos costumes da Ilha Parachazi - base da EIA:
- Boa noite Yoko, Deus te abençoe! Sonhe comigo, ta bom? - um beijo casto.
- Sam, não vá ainda, estou sentido calafrios...
Yoko Takemura era uma jovem de dezesseis anos com dom premonitório.
- O que há Yoko? Por que está tão pálida?
- Não sei, sinto algo parecido com uma expansão súbita e violenta do ar, uma explosão.. Oh! Sam, estou com medo... Sinto que alguma coisa ruim vai acontecer aqui em nossa ilha...
- Acalme-se Yoko, nada vai acontecer, relaxe. Deve ser o seu coração que está para explodir de amores por mim. - Outro beijo e um lindo sorriso nipônico.
Dois quilômetros do alojamento em cuja porta Sam e Yoko se despediam, John, com sua alta capacidade auditiva, captou a apreensão da cunhada.
Abraçava ternamente Breatney Kidman - uma paranormal especializada em identificar espectros - John, ore bastante nesta noite, pois desde o pôr do sol tenho visto halos de coloração incomum... - pediu Breatney.
- Você também está cismada?
- Como assim, quem mais está cismada?
- Ora, Breatney, é claro! É a aurora austral, estamos em abril, se esqueceu? Ou pode ser alguma poeira advinda de alguma desintegração na ionosfera.
- Não, John, não é. Eu saberia se fosse. É um feixe de partículas que não consigo definir. Você sabe que sou especialista - e gabaritada! - e não desconheço nenhuma manifestação visual. Você sabe! Mas essas luzes não têm estruturas padronizadas de matizes. O Professor Longdowm referiu-se a fenômenos assim, ocorridos há cinquenta anos, no Índico, quando grupos extremistas fizeram experiências clandestinas com bombas atômicas. Foram efeitos únicos e sem repetição.
Os casais separaram-se com beijos afetuosos. Os irmãos foram abraçados para seu alojamento. Sempre andavam abraçados.
Eram jovens de 15 e 17 anos. Havia dois que moravam na Parachazi, onde aperfeiçoaram todas as habilidades sobrenaturais congênitas: levitavam com absoluto controle, enxergavam através de qualquer sólido, conseguiam ouvir a quilômetros de distância, tinham impressionante força física e uma grande capacidade de aprendizagem. De todas as outras habilidades detinham os rudimentos.
Nascidos no Brasil, seus pais permitiram sua mudança para a Ilha porque conheciam perfeitamente as nobres intenções da EIA.
- Chefinho, Yoko falou de suas sensações... - Atalhou John: “Eu ouvi, Théo. Breatney também está cismada, penso que devemos coletar as impressões do Dr. Mozamba. Vamos até seu escritório.”
“Senhores, devo confessar (não conseguiria esconder, o senhor Theodore poderia ler a minha mente se quisesse): não são infundadas as apreensões de suas namoradas, quero dizer, da senhorita Takemura e da senhorita Kidman.”
De fato, a Ilha Parachazi seria completamente dizimada em uma hora. A razão para que Maçique escondesse é que, se não concordasse com a sumária e total destruição daquela academia, os esforços bélicos internacionais o fariam.
O ultimato veio depois de meses de discussões éticas sobre os meios de cooptação e os serviços daqueles jovens, a imiscuição nos assuntos de soberania nacional dos países. Houve vazamento da existência da Ilha Parachazi, da Liga Galáctica e de que representantes da ONU patrocinavam as manobras. Sobretudo estão sendo alvo de graves investigações, os custos das operações; e as inter-relações com seres extraterrestres provocaram extremo mal-estar no aspecto da diplomacia mundial.
“Mas Doutor Mozamba, e os ideais de manter os mundos em harmonia cósmica, respeitar as diferenças, usar os dons para a construção e permanência de uma Terra feliz para as gerações? Onde ficam? O que acontecerá com nossos amigos? Que faremos?”
- Eu não tive escolha, meus amigos; ou entregava a todos, numa morte rápida e indolor, ou nossos amigos e alunos seriam perseguidos. Naturalmente revidariam, dando azo a uma guerra incessante e sangrenta - talvez a maior série de devastações que a Terra teria conhecido.
Os irmãos, vendo que de nada adiantariam os rogos, partiram incontinenti, e resolutos correram pelos pátios da academia, batendo em todas as portas aos gritos de “salvem-se, a ilha será destruída”.
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Num átimo a exuberante Ilha Parachazi - o lar de muitos heróis, a escola dos justos, a casa do bem - esfumaçou por toda a orla, e tremeu bruscamente fazendo ruir todas as edificações.
O ginásio, os laboratórios, o centro de debates, as amplas salas temáticas, tudo virou poeira e escombro.
Os clarões que precederam à desintegração dos corpos foram pontuais e consecutivos nos quadrantes da ilha.
- Yoko... Yoko... Breatney... Breatney. Onde estão vocês? Yoko… Breatney…
- John, Sam - era Swuiffer Stelmann com as pernas quebradas, rosto e corpo queimado, arrastando pelo braço o que sobrara do amigo Astor Villens -, sinto muito, sinto muito...
Só os dotados da capacidade de controle térmico do ar ficaram isentos das queimaduras. Dentre eles, Sam e John.
As explosões se sucederam com cada vez maior intensidade e calor.
Sam e John seguraram as mãos de Swuiffer e Astor e se lançaram num vôo a pino de incalculável velocidade. Da estratosfera puderam ver tão somente o clarão último da pulverização da Ilha de Parachazi.
Atordoados com o estrondo, grunhiram sua angústia, a única que se permitiriam ter a partir daquele momento.

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GRACIAS ANDINAS