quinta-feira, 21 de abril de 2011

O PLÁGIO DO SANTEIRO

Ouvi essa história de um senhor amigo, num bar. Assim já revelo que não é minha, mas também não é dele (ele confessou).
Contei-a várias vezes, e toda vez que preciso de uma história de forte resultado moral para esclarecer as hipocrisias alheias, a uso - sempre declarando tratar-se de apócrifa, ou de domínio popular, ou de algum clássico ou anedotista escondido no esquecimento. Não sei. Quem souber, por favor, me diga.
Talvez tenha sido somente a narração jocosa de um perspicaz cronista ou contador de piada. Como meu amigo velho - habitualmente embriagado naquele bar.
Contou-me, suponho, sem intuir a grandeza discursiva que a história oferece. Eu a reproduzo com minhas particularidades, já que nunca a vi escrita:

Um vendedor de santos feitos de argila e pau, vinha pelas ruas escaldadas e poeirentas sem auferir nenhum ganho naquele fatídico dia.
Era seis da tarde e a patroa o esperava com algum cobre, mistura, pão e leite.
Parou em frente a uma casa grande e avarandada, de átrio amplo, grama verdinha. Dado ao silêncio do recinto, ao efeito claustral da arquitetura e ao especial silêncio evangélico daquele reduto familiar, a noitinha e a necessidade pungente precipitaram-no à última tentativa da sua jornada santa de trabalho.  
Bateu palmas e logo surgiu um homem que não traia em nada o aspecto conventual da casa. Calva acentuada, baixo, magro e pele acetinada, o tiozinho envergava sobrecasaca puída e um rosto angelical:
- Tarde! Que desejas bom homem?
- Boas Tardes, caro cristão! Tenho cá comigo alguns dos maiores e melhores santos de toda a história. Além até - que me perdoe a paróquia -, alguns que sequer ainda são conhecidos da praça católica: Santo Limpo da Água clara, Santa Candinha da Picuinha, Santa Amélia dos Pés Tortos, Sant...
- Lamento amigo! Não quero santo algum, mas desejo-lhe sucesso em seu negócio...
- Veja moço: tenho aqui Santa Esmeralda Diamantina, que ajuda a enricar; Santa dos Endividados de Penduricalha, ótima desfazedora de dívidas; Santo José Preto do Rio Branco, bom para resolver desavenças por causa da cor...
- Desculpe moço, já disse que não tenho interesse em santo algum.
- Calma, calma, senhor, tenho ainda Santo Zacarias Falante, para aprender a falar em público; Santa Domingas das Semanas, para tornar os finais de semana menos rotineiros; São Jambo da Costa Larga, para arranjar emprego; Santa Matilde da Fé, que ensina os caminhos da religião...
- Rapaz, já disse. Se você insistir, terei que tomar providências...
Parecia que o santeiro ensurdecera: “Santa Joaquina da Manopla, para ter sorte no jogo; Santo Dom Juan das Velhas, para ter sorte no amor; Santo...”
- Arrahhhh! Já chega!!!! - esbravejou o involuntário anfitrião - serei obrigado a soltar os cães.
Sem ouvir as ameaças, o santeiro estava em transe:
“Santa Nenê, para engravidar; Santo Paulo do Pé Perfeito, para curar frieira e tirar o chulé; Santo Nodjo do Pau Seco, para sarar gonorréia...”.
- Você pediu, então toma... - o dono da casa, com um rápido e imperceptível movimento do braço, soltou a matilha que conservava estrategicamente num secreto corredor oblíquo, atrás da varanda.
Olhos a soltar das órbitas, menos pelo medo do que da indignação pela vida de tão difícil ganha-pão, o ambulante largou a réstia em que atava duas dúzias de estatuetas e, numa hábil manipulação segurou os santos mais robustos de sua coleção em postura de combate. Com lágrimas nos olhos, arrostou os cães:
- Pra trás, cachorros do caralho, se não eu meto esses filhas das putas desses santos na cabeça de vocês!

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GRACIAS ANDINAS