sábado, 13 de agosto de 2011

CONFIDENTE


Depois do amor matinal, de banho tomado, cabelos ainda úmidos e desgrenhados e o rosto perfeitamente escanhoado, fitou-o como faria um detetive da alma, como uma sonda lunar, investigando seus desejos e sentimentos, reduzindo a nada as chances de evasivas.
Perscrutou detidamente seu corpo, suas curvas e reentrâncias, seu colo, a epiderme, os cabelos, os pelos. Varreu-o com os olhos de alto a baixo.
- Você sabe que eu te amo?
- Sim, eu sei.
- Saiba que não és o melhor homem do mundo, nem o mais bonito... ou forte, ou inteligente...
- Sim, eu sei.
- Além de Deus, só tu me conheces completamente. Ninguém mais. Nem minha mulher, nem meus filhos, nem meus amigos; nem a minha mãe me conhece tanto e tão profundo! Sabia disso?
- Sim, eu sei. – Respondia com anuência franca, sem qualquer vestígio de hesitação.
- Vês-me agora na idade madura, mas viste-me antes: minhas descobertas e meus sonhos, êxitos e quedas; meus planos quebrados e as surpresas que tive; as ações precoces e as imaturidades. A tudo acompanhaste.
- Hã, hã!
- Sabes até das minhas preferências secretas, minhas frustrações, minhas falhas de caráter tão bem guardadas que se avultavam com os anos e com os desencontros; as paixões que sepultei vivas no coração; as lágrimas que não mostro; minha afetação pública e minha dor particular; as tantas ilusões doces que eu tive que aniquilar, e quantas tantas outras, desconfortáveis, eu tive que nutrir...
- Sim, eu sei.
- Quantas coisas devolutas eu ainda tenho a preencher; quantas catedrais a arruinar, quantas a erguer...
- Sim.
- Mas agora, chega! Reivindicarei a tudo que me foi tirado: meu sorriso, minha alegria, meu prazer, minha felicidade.
- Eu sei.
- Começarei por arrojar tudo que já não me serve: as calças e as camisas, os sapatos, as gravatas; as pessoas sem jeito e os jeitos sem pessoa acamados em mim; as opiniões alheias emprestadas por conveniência e os tipos clássico-mutáveis de caras e bocas, que me impus para igualar com a nulidade e recolher suas benesses - migalhas caídas das mesas fartas de mentirosos...
- Hummm!
- Quando eu quiser rir, gargalharei; se me emocionar: abraçarei, beijarei, acariciarei, chorarei...
- Sim.
- E quando não quiser ir, não irei; quando não gostar, direi; se gostar, regalarei...
- Tá!
- Ao sair daqui, repararei todo o mal que fiz; desculpar-me-ei com todos os que feri; perdoarei a mim e a todos... falarei de minhas dúvidas - sem vergonha ou culpa; e contarei as minhas verdades obscuras - longe de absolutas...
- É isso aí!
Tã,tã, tã – bateram na porta do banheiro.
- Môoo, não demora. E vê se enxuga o banheiro antes de sair. As crianças estão apertadas. Anda logo.
Incontinenti, pôs-se a puxar a água empoçada do banho. Havia esquecido – de novo – a porta do Box aberta.
Alinhou a toalha de rosto no gancho, abaixou a tampa de porcelana do vaso.
Antes de sair, livrou o espelho do vapor excessivo, com as duas mãos, e acariciando seu reflexo, disse:
- Precisamos continuar nossa conversa, depois.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GRACIAS ANDINAS