domingo, 21 de agosto de 2011

CRÔNICAS DOS COVEIROS DO CEMITÉRIO VERDE - XI – ESTÓRIAS TERRÍVEIS


Tentei banir o terror do conceito de coveiro e inicio este arremedo de crônica com esse nefasto plural. Isso porque o terror está para os vivos como a serenidade está para os mortos.
Quero dizer, quem vive tem terror da agressão à própria vida, à cessação, a morte.
Quem teve o passamento já não se preocupa com os iniludíveis caprichos da vida terrena e a morte, certamente, é algo que já não mete medo.
Contaram-me dos personagens, inúmeras estórias terríveis, das quais saio em demanda da memória, que de muito castigada pelo cansaço e os tantos afazeres e minúcias a que me dedicava, se deu ao desserviço de delir muitas delas. Mas vão lá uma ou outra...
Em tarde quente de verão, espreitava um sepultador por entre túmulos altos, dois velhinhos ajoelhados de frente ao cruzeiro – um altar de alvenaria para cultos ecumênicos -, rezando à viva voz e afetados de um frêmito incontrolável. O velho levanta ágil, saca de um possante revólver e atira, espalhando os miolos da senhorinha por mais de dois metros, espargindo sangue suficiente para salpicar toda a extensão do cruzeiro.
Uma cena tão espetacular imobilizou a testemunha atônita e oculta em choque.
O terror continua quando ajoelhado, o velho reza a última oração para em seguida ao amém deflagrar um tiro na boca, fragmentando seus próprios miolos e espargindo seu próprio sangue.
Eram esposa e marido sentenciados por uma doença incurável da mulher, a que o marido pusesse ponto antes do final.
Outra estória é aquela em que bandidos invadem um velório de defunto abastado, vislumbram que o dinheiro tem menor importância do que o anel de uma requintada senhora. O anel não saía, como se a mão da madama tivesse inchado com o pavor.
Não houve dúvidas. Enquanto um torce sua cabeça para beijar-lhe estupidamente a boca, o outro lhe amputa o dedo com um canivete, ambos em macabra sincronia.
Desfalecidos, a vítima e algumas testemunhas, os facínoras, cuidando terem sido delatados, arrastaram pelas cinturas duas jovens senhoras, em desabalada fuga por entre os enormes túmulos, resvalando pelas alamedas, aos trancos, e as mulheres batendo contra as quinas das lápides.
A polícia chegou mais tarde do que esperavam os influentes denunciantes, e, tendo tomado conhecimento do fato pela sinopse fragmentada da ocorrência, saiu acelerada em heróica diligência. 
A menos de légua encontraram as damas, nuas, deliciosamente recostadas, com cigarros de maconha entre os lábios e dedos, de pernas abertas, massageando o púbis e contemplando alegremente o nada.   
Ah! Lembrei: houve, certa vez, um coveiro que após enterrar sua tarefa do dia, a caminho do refeitório/sala de convivência/banheiro, se viu em espasmódica crise de diarréia. Estava ainda muito longe do santuário – era assim que às vezes chamavam a bacia sanitária, talvez porque, dado ao tempo em que lá “repousavam” os evangélicos, sussurravam orações de maneira quase inaudível.
Não daria tempo, então decidiu: “foda-se, ninguém tá olhando!”. Embocou num túmulo abandonado para realizar a fisiológica extração.
De cócoras, com vista para fora da portinhola da residência eterna, evacuava torrencialmente. No semblante a figura de uma pessoa feliz.
Olhou para o lado, donde vinha um estranho zumbido. Começou a recear que ali, atrás da parede do cadavérico morador pudesse estar instalada uma comunidade de vespas ou abelhas, muito comum.
Apressou-se em concluir a cagada, impossível. Pensou: “foda-se, de repente até consigo uns dias de licença!”.
Como o zumbido era incessante e se avolumava resolveu enfiar a mão por um buraco – provavelmente fruto da ação dos “mineradores”.
Qual não foi o inefável susto quando sentiu agarrarem-lhe o punho firmemente. O susto inibiu instantaneamente a secreção. Tentava a todo o transe desvencilhar-se daquilo que o prendia.
Depois de muito se debater, saiu em disparada pelas ruas da cidade mortuária, calças arriadas e nádegas untadas de fezes.
Já no vestiário, afônico e afobado notou que sua destra pesava mais.
Estava atado a uma bolsa cheia de dinheiro.
São as estórias que eu lembro agora. Prometo que se me acudir mais alguma eu conto antes de acabar a narração!

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GRACIAS ANDINAS