terça-feira, 2 de agosto de 2011

CRÔNICAS DOS COVEIROS DO CEMITÉRIO VERDE - X – QUESTÃO DE EDUCAÇÃO

A crônica é em razão de contínuos insultos sofridos, para o que não encontrei palpite que me desasnasse de um título desses.
Caro leitor, peço mais um pouco de paciência para que eu tente dar melhor corpo à narrativa.
Para boa parte das pessoas, as palavras: sepultador, inumador ou coveiro são repugnantes! Não porque não sejam pessoas comuns, mas sim, porque são, lidando com cadáveres, refugos da vida, sacos da alma, tabu e imundícia.
Com franqueza! Não serve de argumento que justifique tão grande desprezo. As pessoas se tratam mal mesmo, com trato de pouca urbanidade independente dos ofícios que exerçam.
Penso depois destas décadas de vida, que perdemos alguma coisa do passado, talvez não tão remoto. Algo que fez com que nos vejamos diferentes hoje em dia, esparsos, distraídos, distantes. Esquecemos dos cumprimentos singelos e respeitosos, reverências e gestos de querer ver diretamente nos olhos e dialogar com outras pessoas.
Cumprimentava-nos outrora. Os jovens ouviam os velhos, e estes ensinavam aos moços. As mulheres se sentiam confiantes porque confiavam mais na correção varonil. Os homens tinham palavra, e não raro, pelo fio da barba faziam negócios. Por promessas, moldavam destinos.
Havia solicitude, aproximações não nocivas, favores desinteressados e atitudes francas.     
Claro que ser coveiro não impede que recaiam sobre si os efeitos da incivilidade. Ao contrário, como um imã que atraia só cargas negativas, os personagens sofriam continuamente com a irritação e mau humor alheio, com o desprezo de seus forçosos interlocutores.
O lado perturbador da morte é só o que lhes aparecia ao primeiro contato.
Sob as fantasias da morte os relacionavam ao sombrio, os protagonizavam em portais macabros de sofrimento e dor, como a objetos de azar e a rituais lúgubres.
O clima da morte é perverso e diabólico! O cemitério tem ambiência pesada, lugar de desencarnados; antro de espíritos e palco dos conflitos da eterna contenda entre bem e mal.
Há, se bem que poucos, no entanto, aqueles que acreditam na paz e sossego dos recintos de morte, no bem-estar e tranquilidade dos cemitérios – fonte de profundas reflexões, da busca de soluções serenas para problemas perturbadores da vida.
Em regra, porém, sepultadores são homens grosseiros, pessoas incultas e agourentas! Abridores de covas, coveiros, corvos, assombrados, nefandos... Lembrança de morte e fim... Enfim.
Esquecem-se: quem há de enterrar os corpos sem que o chamem de coveiro? Quem há de realizar o imprescindível trabalho de fazer repousar o coração que já não bate; a mente que já não elabora; a beleza exangue; os anjos pueris; os homens, as mulheres, seus dissabores; os velhos santos. Quem, sem que não o chamemos de coveiro?
São Homens os coveiros.
No curso das suas vidas houve sonhos e desejos, evolução e esperanças.
Como qualquer criança, eles brincaram; em jovens sofreram as desventuras das paixões; já adultos responsáveis por suas famílias, são seres sociais economicamente praticantes, transitando no cipoal dos diversos sistemas de convivência.
Toda pessoa carrega uma história particular rica de subjetividade, de sensações, dores e prazeres, lances únicos e intransferíveis.
A ninguém é dado o direito de mutilar personalidades ou diminuir caracteres, aviltar anseios, ou anular a razão e impor o desprezo; sopesar em imaginária e pretensiosa balança quem é mais valioso - e para que prestígio -, ou conferir privilégio conforme se lhe pareça.
Convir em sermos desobrigados de apreciar a qualquer um sem juízo cristão, humanista, engrandece o risco de acharmos que algumas vidas são dispensáveis.
Permita-nos Deus, que sejamos no mínimo educados com todos! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GRACIAS ANDINAS