quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

São Marcos

Depois do jogo Palmeiras e Corinthians - dois a um para o alvinegro -, o goleiro Marcos (do Palmeiras), apelando para o bom senso da torcida, repetiu o que vem dizendo há algum tempo: é só um jogo.
O que chamou a minha atenção (desconversado ou mornamente elogiado pelos apresentadores do programa pós-jogo) foi que o ídolo derrotado arrostou o que muita gente acadêmica e/ou política não ousa sequer sussurrar, nem em pensamento: por que essa gente toda não tem o mesmo ímpeto diante da ladroagem e das falcatruas nos subterrâneos e corredores do poder?
Parêntesis: nos dias que se seguiram, a julgar pelas conversas desimportantes do cotidiano, parece-me que só eu ouvi isso. Fique claro, no entanto, que Marcos não incitou ninguém à violência ou conclamou o povo à subversão. Fez apenas um comentário político, direito de qualquer cidadão comum.
Reforça a impressão que só eu tivesse ouvido o que o atleta disse, os eventos que a nossa imprensa divulgou nos dias seguintes, à guisa de notícias:
Nos EUA, a multidão celebrando algum sucesso esportivo, rodeava fogueiras como num rito tribal; de repente a bandalheira começou com saques e depredações até que a força policial dispersou, com muito custo, a turba desordeira;
Na Rússia, tal qual batalhões da antiguidade, duas torcidas postaram-se em ostensiva hostilidade de guerra, e resolutas, embateram-se duas vezes à exaustão e ao recuo de uma delas, para regozijo efusivo do grupo vencedor, que exultava como se tivesse vencido a um inimigo cruento que lhe ameaçava o território;
No Brasil, ante a bandeira do time rival desfraldada num andar discreto aos passantes, na janela de um incauto torcedor particular, um grupo exaltado vulnerou os portões e a paz dos pacatos moradores, levando-lhes o terror do vandalismo;
Dentre os tantos descalabros do homem, das três espetaculosas informações dos telejornais, duas (não tenho certeza quanto à baderna americana) se referem a grupos extremistas de torcedores de futebol... Futebol! Só um jogo...
Não é novidade e não tem nacionalidade. Torcedores argentinos e britânicos se notabilizaram pela euforia e truculência. Noutros países - veja o registro das reportagens - também existe essa doença.
Os episódios não foram o começo e não terão um fim tão simplesmente. A imprensa não se furtará a mostrar-nos os próximos eventos de violência e morte.
Há um elo perdido - ou talvez, quem sabe, uma característica não compreendida completamente: o homem é suscetível a paixões a ponto de desencadear uma fúria bárbara de massa, uma irracionalidade contagiante, uma animalesca rebelião sem sentido e sem causa louvável.
Uma religiosidade horrenda e fácil obseda o homem, se apodera e o envolve num fanatismo assombroso. Na massa, sem identidade, o indivíduo se torna um monstro amoral. Convertido em aberração, pervertido, ele destrói, vilipendia, depreda, lincha e mata.
O curioso é que depois tudo volta ao normal insosso: as praças silenciam e os agentes da bestialidade assumem seus postos de funcionários, pais, cidadãos com RG e CPF, contas e compras de crediário. Uma psicopatia coletiva ou uma resposta à pequenez e inferioridade que sentimos, ou que nos reserva a forma falida como temos vivido? Encerro aqui, e ainda bem que desacompanhado, à vista da raiva que dá o descaso com que conduzem a educação e a cultura, decepção que enerva ao ponto do que ora condenamos, Marcos e eu. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GRACIAS ANDINAS