segunda-feira, 6 de junho de 2011

O segredo da Ostra

Ficava ali, parada o dia inteiro, da alvorada ao entardecer.
Muitos a criam rezando em silêncio. Mas a cabeça não se movia com afetação, e os gestos eram de abanar moscas ou corrigir os cabelos, ou coçar suavemente a ponta do nariz. Os olhos não alteavam aos céus.
Logo, era mais comum pensarem se tratar de uma mulher louca.
Há uma semana se mudara para a vila, e desde logo, na claridade do dia, repousava sua cadeira de vime no sol e se sentava quieta.
Levantava-se apenas para satisfazer necessidades do corpo, voltando incontinenti, até o fim do dia. Sempre limpa e fresca.
Que lembranças – cogitavam - podia ter tornado uma pessoa tão insociável, aparentemente infeliz? Que desditas?
Seu desassossego bem podia ter sido o coração destruído por algum rapaz. Quem sabe fosse vítima de violência doméstica e hoje, com parentes afins, curtisse ao sol o desgosto de ter nascido.
Fosse (quem sabe?) uma lunática congênita, que seu Ambrósio e dona Firmina trouxeram por misericórdia, recolhida de algum lugar de abandono. Eles eram de coração!
Desconversavam toda vez que a vizinhança enxerida perguntava.
“A moça é parente de Firmina”. Era o máximo que se informava. Qualquer mais era troca de assunto e pigarreio – às vezes muxoxo, findando a prosa.
“Seria alguma concubina de seu Ambrósio? E dona Firmina... Coitada! Coitada nada, se deixa é porque também não tem vergonha!” – cochichavam na missa.
A moça era linda de ver! A escultura trigueira, de cabelo em caracóis e íris castanhas, e cílios que cintilavam umedecidos. Bela forma de fêmea!
Não respondia aos cumprimentos do populacho. Isso começava a desagradar os anciãos, e as senhoras locais se esforçavam para arrefecer os ciúmes dos comentários sobre a boniteza singela da moça.
Com efeito, era formosa e cheirava a flor e relva molhada. A pele e o colo lisos, rijos, sem estrias ou pregas, testificavam sua juventude e podiam dizer-se virginais.
Os moços, em rumo dos canaviais, traçavam novo percurso só para ver a beldade insana.
As moças estavam em pé de guerra com a “Ostra” – assim a chamavam abertamente pelas praças e festejos. Era sua revanche pela impossibilidade de emular com tal rival, que sequer se atrevia a fazer-se requestada pelos solteiros, ou paquerada pelos casados, ou desejada por todos.
O pároco chamou Ambrósio. “Que tens a confessar, irmão?”
- Nada.
Nada mesmo? Saiba que todas as coisas são conhecidas de Deus. Nada fica encoberto aos Seus olhos...
- Não tenho nada para confessar, padre.
Na mercearia, propriedade de Ambrósio, ele se negava ao assunto e já ameaçara fechar a bodega se o tema persistisse. Por ser a única da vila, pararam de assuntar.
Firmina também cessou as costuras e os bolinhos de mandioca que encomendava às comadres, por não ver saída ao entrincheiramento.
A comunidade agora não tinha outro pensar, senão descobrir quem era a “Ostra”, que por existir, incomodava.
Histórias começaram a correr: de uma santa que fazia cura apenas de olhá-la, pela presença, era bastante passar em frente ao seu portão; de um boto que solfejava com voz de menina nos igarapés de Santana; de um anjo que esvoaçava pela cidade durante a noite, espargindo um pó de esperança sobre as casas; de uma bruxa que amaldiçoava as plantações.
Inúmeras histórias.
Certo dia, os jovens canavieiros (em marcha de jornada) não viram a menina pela manhã. Nem a viram as vizinhas das janelas; nem a casa de Ambrósio se abriu naquele dia.
Ele foi embora levando a jovem intrigante, Firmina e os cachorros. Mudaram sem deixar rastros ou bilhetes, nenhum sinal de paradeiro.
Vingou a história que se conta até aos dias de hoje, que por causa de uma ostra que teria sido jogada no mar da capital, seus cultores se tornaram peixes mágicos do mesmo igarapé que o boto cantante, e juntos com o anjo do pó de esperança, combatem a bruxa das más colheitas, garantindo a prosperidade daquele povoado agrícola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GRACIAS ANDINAS