sábado, 21 de abril de 2012

CRÔNICAS DOS COVEIROS DO CEMITÉRIO VERDE - CAPÍTULO XXIV - POLITICANDO

                                XXIV – POLITICANDO
O treino das candidaturas foi importante, despertou um sentimento de classe nos homens; gerou expectativas e principalmente, permitiu que vissem suas vidas com mais inteireza.
Concluíram que deveriam depor os comandantes, todos, e realizar eleições diretas já!
Destituir o jovem encarregado parecia grande traição, mas era o preço da evolução. Estavam ansiosos por novos ares.
Tempos novos, mudanças, deixam a gente apreensiva, mas para eles já era sem tempo trazer as transformações do planeta para dentro do cemitério.
Resolveram então transferir o grande amigo encarregado, caso ele aceitasse, ou derrubá-lo se não quisesse. Ele aceitou a transferência com os mesmos cargo e salário para o Cemitério Roxo. Acordo feito, vivas!
Dos administradores não houve quem sentisse remorso em ver os ultrapassados politiqueiros pelas costas. Ao contrário, os despediram em grande júbilo.
Entretanto, à vista de que o último bandido fora escorraçado, e entrado em meses a interinidade de Lupércio, o alto comando resolveu enviar outro administrador: um homem tenaz, com experiência de caserna, era um velho capitão de reserva da guarda municipal.
Tal decisão dos gestores da empresa estorvava os planos dos sepultadores. Estes desejavam a continuidade de Lupércio numa administração colegiada, com deliberações e ordenação compartilhada com o encarregado e líderes de plantão, cargos para os quais fundamentavam a pertinência das eleições.
Poucos dias foram suficientes para desestimularem o capitão daquela empreitada. Os coveiros executaram manobras de tamanha insubordinação que levaram o milico ancião a enfartar.
Uma ordenança, em austera representação do doente, recolheu sua bagagem de burocrata em duas caixinhas de papelão e não hesitou em arreganhar os dentes e proferir um breve discurso de indignação, uma reprimenda que ninguém atentou. Estavam exultantes com o poder da união. A alegria acumulou-se com a campanha reiniciada.
Seredião, o mais instruído do grupo todo, orientou sobre formulários, cédulas, escrutinadores, período de votação, atas e quorum.
Contra Macarrão, o orientador travou o primeiro grande e férvido debate ao vivo.
Este queria votação em único turno, com urnas abertas somente até o término da jornada de trabalho, enquanto o outro defendia dois turnos e período de votação maior, de forma a permitir a todos, inclusive aos plantonistas, o direito sagrado do sufrágio. 
Macarrão venceu. Seredião só conseguiu, para não ficar atrás, fixar a data das eleições.
Decorrido o período de candidaturas, destacados os escrutinadores e as regras, foram às eleições. Eram os mesmos candidatos da primeira e malograda tentativa para o cargo de encarregado, e outros quatro para os postos de líderes de plantão. Os mesmos truques de campanha e as mesmas técnicas populistas e demagógicas.
Às vésperas, no entanto, penitenciava-se Seredião pelo pecado de ter sugerido que o pleito devesse ocorrer no dia trinta do mês subseqüente. Vira depois a coincidência com seu plantão, do qual participavam maciçamente seus eleitores. Isso poderia comprometer o comparecimento nas urnas. Os outros certamente não teriam dificuldade em chegar à votação naquele dia.
Mais se arrependia porque a data que sugeriu fora objeto de veemente impugnação por parte de Macarrão, apenas para constrangê-lo totalmente no debate. Ingênuo! Seu adversário sabia da problemática em que se meteria, e por isso blefou.
Era o dia! Como se previa, o plantão não conseguiu votar, porque três sepultamentos atrasados enfileiraram-se na capela.
Finda a votação, em quinze minutos obtiveram o resultado: empate entre Burquinha e Seredião. Macarrão foi-se embora imediatamente após, aos gritos de “traidores, cês me pagam!”.
Burquinha, num rompante surpreendeu a todos. Levantou, expôs sua vida e os recentes episódios que o deixaram afamado, informou a gravidez inesperada de sua quarta esposa, renunciou a candidatura e declarou seu apoio a eleição de Seredião:
- Eu já tô cansado de cemitério. Não sei fazer mais nada e gosto dessa merda! Eu queria que cês fizessem o favor de apoiar o Seredião, esse “nó-cego”!  Porque ele é educado, trabalhador, bom coleguinha nosso e já mostrou que pode ser um bom encarregado! Eu vou apoiar ele por causa disso.
Seu Carlito se incumbiu de redigir um documento indicando Seredião e destacaram comissão para a posse do novo encarregado.
Levaram petição à administração com tenção de que fosse avalizada. Incrivelmente a eleição foi legitimada!
Seredião foi empossado a mês e meio e sua gestão correu como o esperado. Pelo menos no início.
Rápido vieram problemas que a euforia não pôde empanar.
O dia dos finados era próximo e urgia caiar os muros, carpir as campas abandonadas, cuidar do suprimento de materiais. Enfim, triplicar os trabalhos.
O novo encarregado tomou providências rígidas: escalonou diferentes plantões; proibiu as empreitas ilícitas; exigiu repartição obrigatória das caixinhas com todos.
Tudo sem as características docilidade e tolerância. Eis por que em tão pouco sua popularidade caiu vertiginosamente.
Ainda assim, com firmeza, dirigiu o pessoal... Até punir um funcionário, o Matinho, que de bêbado vinha cambaleante pelos becos.
O bêbado fez pior do que ter bebido. Disse palavrões aos transeuntes e mostrou suas partes a algumas mulheres que visitavam seus falecidos.
Seredião tentou abrandar a situação, mas não teve argumento contra as manifestações, menos ainda contra a visível embriaguez do coveiro. Era Matinho ou ele. Decidiu que fosse Matinho.
Arrumou um tremendo fuzuê. O grupo amotinou-se. Impuseram a mesmas condições que ao antecessor, neste caso, por traição e covardia.
“Bebedeira de hora certa, Matinho!” - Pensava Macarrão, que, com a deposição do eleito assumiu interinamente o posto. Registre-se que foi ele o mais inflamado a favor da penalidade a que Matinho foi justamente submetido. Foi também o líder da sublevação contra Seredião. E foi ele quem levou Matinho para o bar e pagou todas as bebidas que o doente ingeriu sofregamente.

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