domingo, 15 de abril de 2012

CRÔNICAS DOS COVEIROS DO CEMITÉRIO VERDE - CAPÍTULO XXII - O ÚLTIMO ADMINISTRADOR

XXII - O ÚLTIMO ADMINISTRADOR
A Providência tem seus mistérios!
Do massacre – que ainda hei de narrar - houve um homem salvo pela própria canalhice! O larápio oportunista foi o último administrador antes dos eventos fatídicos.
Fora admitido em lugar do demagogo que resistiu aos rogos do Porca. Aquela raposa não encontrou coro na nova formação política da empresa funerária, a qual, a pretexto da necessidade de uma direção moderna, aproveitou sua total incompetência para expurgá-lo de seus quadros.
O substituto, mais novo e não menos experimentado em politicagem, era também parente de alguém importante naquele pequeno sistema. Aceitou o cargo por saber das propinas que regavam a administração, as caixinhas dos coveiros e as indicações lucrativas de construtores e jardineiros - operários I e II.
De cara o malandro fixou porcentagem de tudo o que os trabalhadores ganhassem, fossem gorjetas ou outras entradas - coisa de quarenta por cento.
Fez isso astuciosamente durante uma cervejada, agradando a todos com sutilezas e piadas, conselhos e promessas. Da arrecadação, vendo-os alegremente tontos, alegou se tratar de um inovador fundo de cooperação para os próprios funcionários.
Na mesma noite em sua casa, o bandido contratou a aquisição de um automóvel novo por telefone, denunciando assim a verdadeira intenção dos fundos.
No dia seguinte à festiva bebedeira, porém, defumados no remorso, os subalternos desfizeram o acordo.
O tinhoso então mostrou o autoritarismo de que estava imbuído.
À suspeição de tudo e todos, fiscalizava de perto o que se recebia; retaliava os que não dividiam as rendas; humilhava os que se negavam. Chegou ao cúmulo de surrar um Jardineiro que o teria enganado na partição das rendas.
Sob ameaças e grosserias, a modos de coronel dava o tom da sua gestão. Não durou mais que dois meses a desgraça!
O encarregado reuniu os colegas, e por abaixo-assinado oficiaram o seu descontentamento.
Na mesma semana, em assembléia com agentes daqueles recursos humanos, conseguiram a deposição do chefete.
Como não bastasse, num conciliábulo elaboraram ações morais corretivas contra o bandido: delinearam seu percurso para casa e o emboscaram. Aplicaram-se a mais clássica sova.
Quando o infeliz ainda consciente estirou na calçada, cada sepultador aproximou o rosto, disse seu nome e endereço. Por fim, o encarregado sentenciou: “Somos nós seu desgraçado! Se tiver vingança contra qualquer um de nós, não vamos deixar barato! Isso aqui foi só um recado.” Desfechou o último golpe, um soco a macerar o nariz daquele diabo.
Esse último administrador, antes, tinha sido perverso por profissão. Foi quadrilheiro em roubos a bancos e joalherias, e, diz-se, já teria executado rivais a sangue frio.
Em realidade, ter aceitado a administração convinha ao esquecimento dos desafetos, significava sair do circuito, dar um tempo.
Mas como o hábito faz o monge, o dinheiro impediu a quietude do malfeitor.
Depois da expulsão, soube-se que o homem se convertera e fundara uma seita religiosa – já tinha inaugurado doze templos bastante freqüentados.
Ele apareceu no Cemitério Verde para operar cooptações; sem sucesso. Os coveiros se exaltaram e sua visita missionária quase lhe rendeu outro cacete, não fosse a prudente intervenção do encarregado.
A Providência tem realmente seus mistérios! O bandido foi salvo do massacre, e o cemitério, para suprir a vacância administrativa, chamou em caráter urgente o confuso, mas leal escriturário, Lupércio. Até o final, ele será o administrador interino. 

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