quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Adam – Memórias de Uma Guerra

Adam Stein é um talentoso artista judaico-alemão, um homem charmoso e feliz surpreendido pela brutalidade do nazismo.
A narração entrecortada da sua história pessoal cobre 35 anos, entre 1926 – quando seu universo circense de mágicas, telepatia, música e palhaçadas, em Berlin, nem sequer pressentia a sombria escalada de Hitler; até 1961 – quando nos dá a conhecer suas memórias, e a surreal clínica para doentes mentais semitas do Instituto Seiszling, instalado num deserto de Israel, para tratamento de ex-prisioneiros de campos de concentração nazistas.
Tudo da clínica é fantástico: a clínica e suas preconizadas terapias inovadoras não demonstradas; a conivência dos terapeutas com a excessiva liberdade de Adam; sua relação amorosa com a deliciosa chefa da enfermaria; e os casos-pacientes - especialmente o menino-cachorro que, com prováveis 12 anos destoava do critério inicial, ou seja: se os campos e a guerra acabaram em 1945 e o menino teria nascido em 1949, em tese, não teria sido encarcerado naqueles campos oficiais de flagelo.
Ficção menos improvável é o caráter do homem dentro do personagem Adam; é a dizimação de sua família, o esgotamento de sua lucidez após as mais absurdas humilhações por que passara nas mãos dum comandante do campo, aliás, homem cuja vida foi salva por Adam anos antes, num de seus números telepáticos em que desvendou e dissuadiu do suicídio, o futuro oficial da SS. Em recompensa (“uma vida por outra vida”), Adam devia entretê-lo vivendo literalmente como um cachorro adestrado, compartindo ossos e canil com o cão pastor alemão do comandante. Fez isso por um ano.
Como n’A vida é Bela, este é um filme sobre o holocausto que tentou ousar falar da dimensão do indivíduo, mantendo o devido respeito histórico a esse grave momento tão horrível do homem.
Sem compromisso com coerência narrativa do possível, a produção tripartida (israelense-germânica e estadunidense) é bela e sensível para além de sugerir eventuais doçuras de atitudes, resistência e perseverança de caracteres.
Parece-me transpirar que possa haver “loucuras” aceitáveis, uma síntese positiva de sofrimentos individuais até nas tragédias genocidas, resultados de personalidades e não de raças, esforços de pessoas e não de etnias.
Transpirou mais: que tal “loucura”, assim aceitável, pudesse ser contagiante, para não dizer apaixonante; uma espécie de justificação da admiração que sentimos pelas pessoas que convivem da melhor forma possível com todos os traumas e prejuízos que uma catástrofe pode gerar - como, p.ex., inspiram-nos respeito e admiração os sobreviventes daqueles eventos de crueldade, que ainda dormem, comem, se encontram, mercam e amam.
Por fim, trouxe também o contrário: os traumas incuráveis dos outros pacientes podem dizer-se resíduos indeléveis na alma.
Mas o filme rematou com o final indiferente à infelicidade: Adam voltou para a pensão da amante (mulher que teria tentado matar no início do filme), depois de comprovar a morte da filha fugitiva dos campos, e depois de se cientificar da cura do menino-cachorro – sua esperança íntima e secreta da própria cura.

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GRACIAS ANDINAS