quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Um sonho no papel

Correndo, brandindo as páginas do seu projeto de casa de cultura na cidade natal, veio o homem maduro anunciar aos companheiros de frustração o quanto o tinha esperançado o diálogo com a secretária da pasta municipal.
Dizia-se ditoso de ter escolhido as melhores palavras escritas e a dicção mais apropriada ao encontro matutino na modesta sala oficial, onde expôs sucintamente todos os sonhos que vinha nutrindo desde a infância, agora numa diagramação acadêmica escorreita.
No meio do caminho, ao recapitular as falas, lembrava-se da notícia fatídica do fechamento do cinema, apenas poucas horas depois de ter assistido a um filme alemão que só ali tinha sido exibido.
Lembrou-se do festival de música na praça da matriz, quando os bons violeiros dos botequins se juntavam aos inovadores musicistas e jovens bisonhos minimalistas numa festa de originalidade.
Os campeonatos de balões, os folguedos juninos, as congadas, as corridas de cavalos na cancha onde asfaltaram a principal artéria com a capital.
Rememorou as fanfarras escolares e quase ouvia a música negra dos bailes domésticos que pululavam nos quadrantes da cidade.
Veio-lhe a sensação de vertigem e desafio que teve quando vestiu o primeiro uniforme escolar, com calças curtas, e sentiu o cheiro do pó do giz, pela primeira vez, acumulado no suporte do apagador da lousa - a brilhante idéia de escrever à frente dos olhos, o que ele treinava com os irmãos, sentados na guia, com um pedaço de tijolo, rascunhando no chão da calçada.
Lembrou-se dos namoricos, romances doloridos da meninice, quando os olhares eram ensaiados nos espelhos e os discursos imitados de uma fita americana em preto e branco.
Sentiu os aromas, de memória, dos bolos e tortas que as vizinhas trocavam para se agradarem. Viu as estrelas que queriam se amostrar no céu isento do progresso.
Reviveu a agitação e o entusiasmo dos estudantes, das descobertas dos signos, da militância proibida, aguerrida, de que, embora não tivesse feito parte, guardava a reverência na ostentação das boinas, no despojamento da roupa carmesim e nas palavras de ordem que proferia nas lutas menores da sua contemporaneidade.
Estacou. Sorriu. Foi feliz uma vez. Por que não poderia sê-lo de novo?

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GRACIAS ANDINAS